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Fornecido por BBC Alteração no Código Eleitoral feita pelo Congresso diz que
poderia haver eleições diretas caso presidente e vice deixem o cargo vago após
a metade do mandato
Uma ação que pode levar à convocação de eleições diretas para
presidente, caso Michel Temer seja cassado pela Justiça Eleitoral, está pronta
para ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF).
Como o ministro relator da causa, Luís Roberto Barroso, já liberou a
ação, basta uma decisão da presidente do STF, Carmén Lúcia, para que o Supremo
analise a questão. A Corte entrou em recesso nesta semana e retorna ao trabalho
em fevereiro.
A ação vem tramitando no Supremo sem alarde e seu potencial de provocar
eleições diretas tem sido ignorado. Por enquanto, prevalece em Brasília a
percepção de que, caso Temer seja destituído pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), seria necessário aprovar uma PEC (proposta de emenda constitucional)
para viabilizar eleições diretas no país. A base de Temer, porém, tem bloqueado
essa discussão no Congresso.
O TSE deve julgar no próximo ano se a chapa presidencial eleita em 2014,
composta por Dilma Rousseff e Temer, cometeu ilegalidades na campanha e, por
isso, deve ser cassada.
O artigo 81 da Constituição Federal prevê que, caso os cargos de
presidente e vice fiquem vagos após a metade do mandado de quatro anos, o
presidente que concluirá o tempo restante deve ser eleito pelo Congresso.
No entanto, o próprio Congresso aprovou em 2015 uma alteração no Código
Eleitoral e estabeleceu que, caso a cassação pela Justiça Eleitoral ocorra
faltando ao menos seis meses para término do mandato, a eleição deve ser
direta.
A questão foi parar no Supremo. O procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, moveu em maio uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.525) em
que pede que a corte considere a mudança do Código Eleitoral incompatível com a
Constituição - ou seja, sustenta que a eleição teria que ser indireta caso a
chapa presidencial seja cassada a partir de 2017.
Já a Clínica Direitos Fundamentais da UERJ (Universidade Estadual do Rio
de Janeiro) pediu em outubro para participar da ação como amicus curiae (amigo da corte) e
lançou uma argumentação contrária, sustentando que a mudança no Código
Eleitoral é constitucional.
Pouco depois, Barroso concluiu seu voto - que só será conhecido no
momento do julgamento - e liberou a ação para ser pautada.
Constitucionalistas de peso entrevistados pela BBC Brasil, entre eles o
ex-ministro do STF Ayres Britto, se dividiram sobre se o STF deve ou não
considerar constitucional a eleição direta, caso Temer seja cassado pelo TSE.
Hoje, a maioria da população apóia a antecipação da eleição presidencial
no país. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha da semana passada, 63% dos
entrevistados são favoráveis à renúncia de Temer neste ano para que haja
eleição direta antes de 2018.
Qual o argumento a favor da eleição direta?
O professor titular de direito constitucional da UERJ Daniel Sarmento é
o advogado que elaborou a argumentação da Clínica de Direitos.
Seu principal argumento é que a nova redação do Código Eleitoral cria
uma distinção entre a situação em que os cargos ficam vagos por decisão da Justiça
Eleitoral e as demais situações, como afastamento por impeachment, morte ou
doença.
Dessa forma, se presidente e vice forem afastados por questões não
eleitorais (impeachment, morte, etc) após metade do mandato, o artigo 81 da
Constituição continuará a ser aplicado e a eleição deverá ser indireta.
No entanto, se a chapa for cassada pela Justiça Eleitoral significa que
a eleição foi inválida e o direito do eleitor ao voto não foi respeitado. Dessa
forma, nessa situação específica, deveria ocorrer eleição direta.
O advogado ressalta ainda que o direito ao voto direto é cláusula pétrea
- ou seja, faz parte dos direitos mais importantes da Constituição, aqueles que
não podem ser modificados nem por PEC.
Sarmento argumenta também que uma decisão do Supremo pela
constitucionalidade da eleição direta faria prevalecer a vontade do próprio
Congresso, que aprovou a alteração do Código Eleitoral.
"O Congresso quer fazer eleição direta, e vai o Supremo dizer 'não,
não pode'? Vivemos uma crise enorme no país, e há uma expectativa da sociedade
de resolução democrática dessa crise", defende.
Para Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola da Direito da FGV-SP, o
argumento levantado por Sarmento "é bastante razoável". Embora
considere que a solução ideal seria a aprovação de uma PEC no Congresso, Vieira
acredita que o STF pode vir a tomar uma decisão política, caso Temer seja
afastado e a crise se agrave.
"Se a questão se colocar de uma forma contundente, o Supremo
eventualmente tem uma saída. Acho que a distinção oferecida pelo Daniel
(Sarmento) é plausível", afirmou.
Virgílio Afonso da Silva, professor titular de direito constitucional da
USP, também concorda com a argumentação de Sarmento. Ele observa que antes da
alteração do Código Eleitoral, a Justiça Eleitoral, ao cassar prefeitos e
governadores, em geral dava a posse para o segundo colocado na eleição.
Na sua opinião, o fato de o TSE não ter aplicado o artigo 81 da
Constituição para esses casos reforça o argumento de que a vacância por
cassação da chapa é diferente das outras situações. O artigo 81 fala apenas dos
cargos de presidente e vice, mas o TSE poderia ter feito um paralelo para os
casos de prefeitos e governadores, ressalta o professor da USP.
"Se a pior das soluções, chamar o segundo colocado, era aceita pelo
TSE e pelo STF, eles não podem agora dizer que fazer eleição direta é
inconstitucional", argumenta ainda Afonso da Silva.
E quais os argumentos contra a eleição direta?
A pedido da BBC Brasil, o ex-presidente do Supremo Carlos Ayres Britto
também analisou os argumentos de Sarmento. Embora tenha dito que sua tese
"impressiona", considerou que a argumentação "não resiste a uma
análise mais detida".
Britto destacou que a Constituição, já na sua redação original, de 1988,
prevê no artigo 14 a possibilidade de o mandato presidencial ser impugnado pela
Justiça Eleitoral.
"O artigo 81 foi redigido com o legislador constituinte já sabendo
que havia a hipótese de perda do mandato por decisão da Justiça Eleitoral.
Então por que fazer a separação (entre vacância por decisão do TSE e outras
situações)?
Não parece aí que a distinção entre uma coisa e outra tenha consistência
argumentativa", afirmou.
Apesar disso, o ex-ministro do STF considera que, caso Temer seja
cassado, a solução ideal seria a realização de eleições diretas, após o
Congresso aprovar uma PEC.
"Daria muito mais legitimidade, até porque o atual Congresso não
está creditado o suficiente para eleger ninguém. Melhor devolver ao povo,
mediante PEC, o poder de eleger seu ocupante central", afirmou.
O professor titular de direito constitucional da UFRJ José Ribas Vieira
e o pesquisador da mesma instituição Mário Cesar Andrade analisaram
conjuntamente os argumentos de Sarmento e também discordaram de sua tese.
Segundo eles, embora o professor da UERJ esteja "bem
intencionado", a Constituição é clara e "não prevê exceções".
"Nesses tempos em que a interpretação da Constituição tem sido
utilizada para a satisfação de desejos políticos dos mais diferentes matizes,
compete-nos a seriedade de nos atermos ao texto constitucional, sem
malabarismos", escreveram à BBC Brasil.
O que esperar do TSE e do Congresso?
A ação que pede a cassação da chapa de Dilma e Temer foi movida pelo
PSDB logo após a eleição de 2014.
O partido acusa a chapa vitoriosa de diversas ilegalidades, como
arrecadação de doações que seriam na verdade recursos desviados da Petrobras.
São também apontadas irregularidades nas despesas da campanha, como suposta
contratações de gráficas que não teriam comprovado os serviços prestados.
Essas despesas estão sendo periciadas. A expectativa é que o caso será
levado a julgamento no próximo ano, mas não há data marcada ainda.
O enfraquecimento de Temer, por causa da crise econômica e das denúncias
de corrupção envolvendo a si próprio e membros do seu governo, tende a deixar o
TSE mais fortalecido para cassá-lo.
Por outro lado, a defesa do presidente tenta convencer o TSE de que as
contas da campanha de Dilma e Temer eram separadas - o objetivo é que eventual
cassação atinja só a eleição da petista.
O presidente tem maioria no Congresso e vem conseguindo evitar o avanço
de propostas de emenda constitucional prevendo eleições diretas.
Autor de uma delas, o deputado Miro Teixera (Rede-RJ) acredita que, se o
TSE cassar Temer, a pressão popular impulsionaria uma rápida aprovação de
eleições diretas pelo Congresso. Em todo caso, se o STF não prever
expressamente a inconstitucionalidade do novo Código Eleitoral, Teixeira
acredita deveria ser convocada eleição direta.
"O Código Eleitoral já diz que a eleição é direta. Está
valendo", defendeu.
"Eu não tenho dúvida que, se houver a necessidade de substituição
do presidente, essa substituição não se dará pelo voto indireto. Não restará
edifício em pé na Praça dos Três Poderes se decidirem o contrário",
ressaltou.
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