segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

ARMANDO AVENA - ENTREVISTA NO JORNAL TRIBUNA DA BAHIA

   Fonte:bahiaeconomica
 


Tribuna da Bahia - Como o senhor classifica as medidas econômicas anunciadas esta semana pelo governo Temer?
Armando Avena -
As medidas anunciadas têm o lado bom que é o fato de o governo ter retirado o governo como instrumento para tentar viabilizar o crescimento econômico. Antes, os pacotes eram feitos com subsídios, desonerações, redução de impostos, feitos para o governo bancar o crescimento. Esse pacote não tem isso. É um pacote microeconômico que visa viabilizar a competitividade entre as empresas e também as pessoas, mas, embora tenha algumas medidas importantes, não é um pacote que vai fazer deslanchar o crescimento econômico. Ele tem duas medidas importantes do ponto de vista da economia como um todo, que são a possibilidade de renegociação das dívidas das empresas, porque as empresas estão endividadas; isso melhora a situação delas, faz com que saiam do cadastro negativo e possam até tomar empréstimos para voltar a investir. Essa uma medida boa que pode melhorar o crescimento econômico. A outra medida boa é em relação ao financiamento que o BNDES vai dar a pequenas e médias empresas, que vão ter acesso ao crédito. Nesse aspecto, sem dúvida alguma vai ter um efeito maior na economia.

Tribuna - Elas são o primeiro passo ou apenas ações paliativas para uma crise que parece não ter fim?
Armando Avena
- O pacote, efetivamente, não é uma medida que vai resolver a crise. São medidas fundamentais, mas não tem impacto direto na economia. Me chamou a atenção que o governo não tenha lançado qualquer medida para o principal problema hoje, que é a falta investimentos. Não houve medidas de estímulo de investimento, de tentar estimular novos empreendimentos, para que gere mais empregos. Nesse sentido, o pacote é um micropacote, aumenta a competitividade das empresas, a médio prazo é bom, mas no curto prazo não tem um grande efeito, principalmente em um momento que você tem um limite de gastos estabelecidos. Eu não vejo que esse pacote possa, a curto prazo, resolver o problema da economia.

Tribuna - O governo está mais preocupado em arrecadar e manter a estabilidade política, ou com o cidadão, que tá na ponta?
Avena -
Eu acho que o governo, sobre o aspecto da política que está sendo implementada, está tentando acertar. Está tomando medidas impopulares, medidas que afetam as pessoas diretamente e, ao fazer isso, está indo em um caminho correto de redução de gastos, mas ao mesmo tempo, é um governo que não tem legitimidade popular, que não foi colocado pelo povo no sentido de ser o presidente que os brasileiros esperavam. Então, ele não tem outra saída que não seja resolver o problema econômico, algo que o governo não tem tido sucesso até agora. Além disso, ele tem um problema adicional, um problema de origem que precisa ser resolvido. Em seis meses caíram seis ministro e um assessor. Isso significa que o governo não passa credibilidade política, e o empresário só investe quando há credibilidade política, quando ele vê o horizonte político. Nesse sentido, o que o governo está tentando é usar a economia para sair da crise, o que é bom, mas ao mesmo tempo ele não mostra legitimidade política e credibilidade política para o tamanho das medidas que precisa implementar.

Tribuna - Entre as medidas anunciadas, o que lhe parece despropositado ou candidato a não sair do papel?
Avena -
Em primeiro lugar, a PEC dos gastos é muito importante no curto prazo, mas no longo prazo ela é inviável. Em outras palavras, no curto prazo era necessário limitar os gastos para impedir que continuasse a trajetória de gastos exponenciais do governo e da dívida do governo. O governo anterior cometeu um equívoco desproporcional. Tudo ele queria consertar, queria estimular a economia gastando mais, arrecadando mais, desonerando e jogando todo peso nas costas do Estado. Isso foi um equívoco profundo. A PEC dos gastos é necessária no primeiro momento, mas no segundo momento... Qual o objetivo da PEC dos gastos? Primeiro conter os gastos, em um primeiro momento isso é importante, mas quando o país retomar o crescimento econômico, vai se tornar um grave problema. Você cresce a arrecadação, o PIB, mas não pode haver o crescimento nos gastos. Se isso acontecer, você vai estar amarrando o crescimento econômico ao limite de gastos do governo. Eu sou favorável à PEC nos próximos dois, três anos, mas é o máximo que ela aguenta como política de governo. Naturalmente quando chegar um novo presidente é preciso uma nova política e essa política vai ser definida pelo presidente que for eleito e pela maioria do Congresso Nacional.

Tribuna - Então a PEC dos gastos não é a salvação nacional...
Avena -
Não. É importante lembrar que a PEC dos gastos só atinge 50% dos gastos. Isso significa que se não houver a reforma da Previdência, a contenção dos gastos nessa área previdenciária, nós teremos um grave problema porque as despesas da previdência vão continuar subindo em termos reais ao ano, enquanto o governo vai ter que tirar esse aumento dos outros 50%. Ou seja, vai ser o total engessamento do governo. Além disso, a PEC tem outro defeito. Ela é uma PEC anti-investimentos, que vai limitar os gastos e no primeiro momento limita logo os investimentos. É de se estranhar que nesse pacote não tenha havido nenhum estímulo a concessões, privatizações e a atração do investimento público-privado, nesse sentido a PEC tem o seu defeito.

Tribuna - Qual a sua avaliação sobre a reforma da Previdência?
Avena -
A reforma da Previdência não pode ser encarada como a mágica que vai resolver todos os problemas do Brasil. A reforma tem que ter o enfoque de ordenamento daquilo que os economistas chamam de fluxo atuarial, a entrada e saída de recursos. A forma como o governo enviou essa reforma previdenciária, ela dificilmente tem condições de ser aprovada. Imagine que uma pessoa para se aposentar o limite permitido de benefício tem que ficar 49 anos trabalhando. Isso é inviável, não existe em país nenhum do mundo. Eu só posso crer que esse limite foi colocado para que na negociação do Congresso possa ser reduzido. É preciso ter a consciência do que é efetivamente necessário em uma reforma previdenciária. É certo que é preciso aumentar a idade de aposentadoria. Hoje, que a expectativa de vida é muito maior, não faz sentido uma idade de aposentadoria de sessenta anos, a maioria dos países estão fazendo isso, é muito importante, agora a solução para o problema da reforma previdenciária passa também pelo crescimento econômico.  Ou seja, existem hoje 12 milhões de desempregados. Quando o Brasil voltar a crescer e começar a contratar esses desempregados, serão 12 milhões de pessoas que vão pagar INSS, que vão jogar recurso no sistema e vão demorar mais para se aposentar. Então, a reforma previdenciária também precisa do crescimento econômico. Acho que ela é necessária, mas não pode tirar determinados direitos e nem pode levar o trabalhador que trabalhou a vida inteira a ficar 49 anos trabalhando para conseguir o limite máximo da aposentadoria. É preciso ter racionalidade na reforma.

Tribuna - Se tivesse que sugerir duas medidas emergenciais para tirar o Brasil da crise, o que o senhor sugeriria?
Avena -
Eu diria imediatamente como primeira medida: é preciso reduzir as taxas de juros. O pacote que o governo lançou é muito importante, mas não terá nenhum efeito se os juros continuarem do jeito que estão. O Banco Central está sendo, como sempre, excessivamente ortodoxo. A tendência da inflação é uma tendência nitidamente de queda, já era para o Banco Central estar reduzindo os juros a um patamar muito menor do que está neste momento. Essa medida é indispensável. Sem a redução dos juros não vai haver a retomada dos investimentos, e é o investimento que faz o país crescer, não é o consumo. E o investimento que tem o poder multiplicador, que quando você investe um real, você termina mexendo em toda a economia. Então, o primeiro passo é a redução dos juros para estimular os investimentos. A segunda medida: como o governo fez uma PEC anti-investimentos, precisa estimular o capital privado, estrangeiro e nacional a investir. Ele não está fazendo isso. Tem que modernizar os marcos regulatórios, ferrovias, rodovias, e aumentar rentabilidade para que o setor  privado tenha interesse em investir em estrutura e assim dinamizar a economia.

Tribuna - O governo fala em intervir de alguma forma na política de cartão de crédito. Por que não limita um patamar para os juros bancários?
Avena -
Esse é outro problema que já deveria ter sido atacado. E inexplicável para qualquer cidadão de qualquer lugar do mundo que a rentabilidade que você recebe quando deposita seu dinheiro no banco seja de 12%, 14% e quando você vai fazer compra é de 500%. Isso é impossível de ser mantido, o governo tem que intervir. Ele tem que fazer com que haja mais competição no setor bancário. O setor bancário é hoje um setor privilegiado, o Brasil é uma economia financeirizada e só tem um setor que não entra em crise: o setor bancário. O setor bancário cobra tarifas altíssimas, juros no cartão que chegam a 400%, 500% ao ano, no cartão e no cheque especial. Então, é preciso estimular a competição. Primeiro usando os bancos oficiais para reduzir gradualmente as taxas dos seus juros, estabelecer medidas no depósito compulsório e outros segmentos da economia, induzindo os bancos a reduzir o spread bancário, que é essa diferença, e colocando aumento de imposto.

Tribuna - Até onde você acha que o governador Rui Costa vai conseguir levar a sua gestão, com a queda constante na arrecadação e o comprometimento cada vez maior da receita?
Avena
- Em primeiro lugar eu quero elogiar a política fiscal e financeira do estado, que conseguiu chegar até aqui sem precisar tomar medidas drásticas, como, por exemplo, o parcelamento ou suspensão dos salários, e isso é digno de nota, essa responsabilidade fiscal do governo do estado. Agora, isso dificilmente será mantido se não houver um freio nas despesas do governo, um freio que passe pelo sistema previdenciário, que é um problema que tem que ser atacado nacionalmente. O governo federal tem que tomar uma posição porque as transferências, principalmente o fundo de participação dos estados, estão caindo muito e há um rombo previdenciário nos estados que precisa ser resolvido de forma conjunta, nacionalmente. Agora, está na hora do governador fazer uma reforma administrativa, começar a conter recursos. Se há uma PEC dos gastos para o governo federal, tem que ter uma PEC dos gastos para o governo do estado no sentido de limitar os gastos de determinados segmentos. Vou dar um exemplo que chamou a minha atenção. O orçamento que foi aprovado para 2017 reserva quase R$1 bilhão para o poder Legislativo, incluindo Assembleia Legislativa e Tribunal de Contas. A Assembleia Legislativa da Bahia vai receber a mesma quantidade de recursos que a Secretaria de Infraestrutura, que cuida de todas as estradas do estado, da energia. Então, isso tem que ser limitado. Tem que haver uma reforma administrativa no âmbito de conter despesas das secretarias, no âmbito de todos os demais estados. Eu confirmo que o governo do estado tem feito muito nessa área, mas para não acontecer um problema maior em 2017, tem duas saídas: ou Brasil volta a crescer ou o governo do estado corta mais ainda na carne.

Tribuna - O prefeito ACM Neto vai ter o mesmo fôlego administrativo que teve até agora ou terá mais dificuldades?
Avena -
A prefeitura, aliás, a Bahia é um estado interessante e que tem responsabilidade fiscal. A prefeitura também mostrou que teve responsabilidade fiscal e por isso conseguiu manter a sua capacidade de investimento nesse período. É preciso registrar que a prefeitura de Salvador saiu do cadastro dos inadimplentes, que o prefeito João Henrique tinha deixado; a prefeitura já está fazendo empréstimos e resolveu suas finanças do ponto de vista do que ele pode administrar. Mas do mesmo modo, as contas da prefeitura estão ficando estranguladas porque as transferências do Fundo de Participação dos Municípios estão caindo em tempo real e a economia de Salvador não tem respondido. O país está em crise e Salvador tem crescido menos por problemas de turismo, Centro de Convenções parado, problemas no setor da construção civil, com isso, a arrecadação de ISS cai e cai também a arrecadação de IPTU, já que a população de Salvador é muito pobre. Salvador é uma cidade que tem uma renda per capita que é quase a metade da renda per capita de Recife, por exemplo. Salvador é uma cidade pobre. É urgente que se façam políticas no sentido de dinamizar mais a economia da capital. O governo do estado tem responsabilidade com o Centro de Convenções e com políticas de turismo. A prefeitura também tem responsabilidade com a introdução de novos crescimentos econômicos. Estimular a indústria, serviços portuários, educação e outras coisas. Fico satisfeito de saber que na reforma administrativa do prefeito vai ter uma secretaria exclusiva para estimular a economia. Isso é fundamental, Salvador precisa voltar a ser dinâmica economicamente. Isso envolve investimentos no turismo, no parque tecnológico, no estímulo a indústrias não poluentes, no estímulo a serviços de tecnologia, educação, etc. Por um lado Salvador precisa dinamizar a sua economia estimulando setores, do outro precisa esperar que a economia volte a crescer para aumentar a sua arrecadação.

Tribuna -  O fato da Operação Lava Jato ter atingindo o presidente Temer fragiliza ainda mais o seu governo?
Avena -
A única saída para o Brasil, do ponto de vista econômico, é que a Lava Jato não atinja o presidente. E que ele limpe seu governo do ponto de vista que nenhum outro ministro seja demitido. No quadro atual de instabilidade, incerteza, o empresário só vai investir se ele achar que o presidente tem condições de se manter no poder. É fundamental que o presidente Temer mostre que tem credibilidade e que não está envolvido em nenhum desses processos. È preciso que o governo tenha credibilidade junto à população. Sem isso, o Brasil vai ficar patinando e não vai conseguir crescer. 

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