Gustavo Filipe Barbosa Garcia
Especial para o UOL20/12/201606h00
A precarização das condições de trabalho parece ser
uma tendência que está alcançando níveis dos mais acentuados nos últimos
tempos, sendo uma das mais recentes propostas aquela que
institui a chamada jornada de trabalho móvel e flexível, que
permite ao empregado receber apenas pelo tempo de labor efetivamente prestado e
que deixa ao empregador a definição do período que será exigido a cada dia.
Trata-se de uma sistemática que gera uma completa
insegurança ao trabalhador, pois não permite que este saiba previamente se será
convocado para prestar serviço e muito menos por quanto tempo, o que resulta
nos desconhecimentos de qual será o valor do salário a ser recebido e de qual é
o verdadeiro nível remuneratório mensal.
Na prática, a medida acaba transferindo ao
empregado –a parte mais vulnerável da relação jurídica– os riscos da atividade
econômica e do empreendimento desenvolvido, que por natureza devem ser do
empregador, por ser o titular dos meios de produção, conforme o art. 2º da CLT.
Os empregados evidentemente também têm as suas
despesas mensais, sendo muitas delas fixas, assim necessitando saber com maior
segurança e previsibilidade qual é o patamar de sua renda e não podendo
conviver com tamanha incerteza.
Também se argumenta que a medida permitirá ao
trabalhador ter mais de um emprego, o que a tornaria vantajosa para ambas as
partes. Entretanto, esquece-se que a exclusividade, via de regra, não é um
requisito do contrato de trabalho. Normalmente, nada impede que o empregado
tenha mais de um vínculo de emprego, mesmo sendo fixo o horário de labor.
Na realidade, esse tipo de jornada de trabalho
favorece exclusivamente o polo mais forte da relação de emprego, permitindo ao
empregador a busca pelo lucro sem assumir o risco inerente à atividade
desempenhada.
Além da ausência de demonstração científica de que
a medida em questão é apta a reduzir os níveis de desemprego, em termos
práticos, como o empregado irá conseguir conciliar mais de um emprego se não
souber previamente qual período de trabalho lhe será efetivamente exigido, bem
como quanto tempo por dia ainda terá disponível para realizar outras
atividades?
Propostas como essa impressionam pelo grau de
insensibilidade à incontestável perda de qualidade de vida dos trabalhadores.
Elas geram impactos sociais profundamente negativos e graves prejuízos às
pessoas que sobrevivem apenas de sua força de trabalho.
Com isso, corrompe-se a previsão legal e imperativa
de que o período em que o empregado está à disposição do empregador, aguardando
ou executando ordens, também é considerado como serviço efetivo. Portanto, como
é evidente, não apenas o tempo de labor concretamente realizado, mas todo o
período referido, por integrar a jornada de trabalho, também deve ser
remunerado.
Ao se observar o atual cenário, é estarrecedor como
a hegemonia do poder econômico tem alcançado a esfera política, que passa a se
pautar exclusivamente pelo atendimento dos seus interesses, não se importando
com o possível sofrimento em massa dos que não detêm os meios de produção.
O desemprego deve ser combatido com providências
que incrementem a economia e fomentem a atividade empresarial, mas não com a
precarização completa e sem limites das condições de trabalho.
Em momentos tenebrosos como este, só resta ao
Direito impor a sua força normativa, deixando claro que medidas assim –ainda
que almejadas por certos setores políticos e econômicos– não são válidas nem
admitidas no Estado Democrático de Direito, sendo este fundado na dignidade da
pessoa humana.
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