Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi
correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'. Escreve de terça a
sexta e aos domingos.
Exageraram na
propaganda
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Pedro Ladeira/Folhapress
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Presidente Michel Temer (PMDB) fala sobre as reformas durante os sete
meses de seu governo
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30/12/2016 02h00
BRASÍLIA - O governo lançou uma
campanha publicitária para tentar convencer a população de que não é tão ruim
quanto ela pensa. É uma missão árdua, e a propaganda já começa pisando na bola.
Contabiliza apenas 120 dias de gestão, quando Michel Temer assumiu há exatos
232.
O anúncio usa a
expressão "posse efetiva" para justificar a contagem marota. Faltou
combinar com o chefe. Em discurso recente, o próprio Temer disse que ignorou a
condição de interino e governou desde maio "como se efetivo fosse".
Na primeira linha da
propaganda, lê-se a palavra "coragem", em letras garrafais. Parece um
exagero do redator, já que o presidente tem evitado comparecer a palanques,
estádios e até velórios por medo de ser vaiado. Seu último pronunciamento na TV
foi transmitido na noite de Natal, quando as panelas estavam ocupadas com peru
e farofa.
Mais adiante, o anúncio
enumera 40 medidas "que já se tornaram realidade". A lista mistura
fatos positivos, como o apoio da Aeronáutica ao transplante de órgãos, a
decisões altamente questionáveis, como a reforma do ensino médio por medida
provisória. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já afirmou que a MP
viola a Constituição e precisa ser anulada.
Na área econômica, o
Planalto também se gaba de medidas polêmicas. Diz que a reforma da Previdência
vai garantir a aposentadoria "das gerações atuais e futuras", mas não
explica como isso ocorrerá em Estados onde a expectativa de vida dos homens mal
passa dos 65 anos.
Apesar de ocupar uma página inteira de jornal, a propaganda não cita uma
única vez a palavra "corrupção", que dominou o noticiário de 2016. Em
outro exagero de marketing, afirma-se que o governo assegurou a
"moralização das nomeações nas estatais". Há poucas semanas, Temer
loteou seis vice-presidências da Caixa entre partidos aliados. As nomeações
atenderam a PSDB, PP, PR, PSB, DEM e PRB.
Colunista e membro do
Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros.
Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos e
quintas-feiras.
Contrapartidas dos
Estados são intervenção branca do governo federal
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Itawi Albuquerque/Futura Press/Folhapress
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Michel Temer durante lançamento em Maceió (AL) de programa
para combater os efeitos da seca
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29/12/2016 02h00
Já não bastam a incompetência e o final de ano com resultados
econômicos e sociais opostos ao prometido. Michel Temer e seu desgoverno agora
querem ser também autoritários.
Derrotados nas pretendidas imposições aos Estados em grave
situação financeira, todas substituídas no Congresso por um projeto de
recuperação, o ministro Henrique Meirelles decidiu e Michel Temer adotou a
continuidade das exigências derrubadas.
Acrescentou o veto presidencial à proposta parlamentar. O veto vai à apreciação
no Congresso, para aceitá-lo ou para restaurar o texto ali aprovado. As
exigências, o governo procura outro modo de restabelecê-las.
Ocorre que, sob a falsa denominação de
"contrapartidas" às providências federais, o governo quer impor aos
Estados uma reprodução do retrógrado "ajuste fiscal" que é o seu
programa econômico. Para os Estados, porém, não é só uma exigência de medidas
reacionárias.
A "contrapartida" é, de fato, uma intervenção
branca do governo federal na administração estadual. A participação federal na
solução de situações estaduais críticas é obrigação, não é favor e não deveria
ser política: a arrecadação federal provém dos bolsos de pessoas dos estados e
dos municípios, e de suas atividades.
"Contrapartida", aí a palavra cabe, é o que o
governo federal tem obrigação de fazer nas necessidades dessas fontes da sua
riqueza.
Além disso, já ninguém se lembra, este país é uma República
Federativa. Nem o centralismo monstruosamente deformante poderia legitimar uma
intromissão do poder central no que compete à autonomia de cada parte federada.
DAS CRISES
Que espécie de situação estamos vivendo, afinal de contas, é
uma questão que mereceria estar em debate, não fosse nossa decadência também
cultural. O professor Oscar Vilhena, como sempre, faz a sua parte. No artigo
"A perigosa retórica da crise" (Folha, 24.dez), considera
"difícil discordar de que vivemos uma crise, a questão é se é
institucional".
A ser ver, não é. Uma pequena frase talvez sintetize bem os
seus numerosos argumentos: "As instituições não entraram em paralisia e as
liberdades democráticas não foram suspensas". O complemento ilustrativo:
"Parece pouco, mas basta olhar para Turquia e Venezuela para entender o
que é uma verdadeira crise institucional".
Nesses países, suponho, há mais do que crise institucional.
Há crise das instituições. A sutileza da diferença vocabular é só aparente. A
rigor, uma crise das instituições é também crise institucional. Mas crise
institucional não é necessariamente crise das instituições.
Os três Poderes, diz aqui a Constituição, são independentes e
harmônicos. Em situação, vá lá, de normalidade. Não é o que se passa nos
Poderes. Entre o Congresso e o Judiciário, nem aparência de harmonia pôde ser
preservada. E a desarmonia, para dizer o mínimo, corre alto risco de
agravamento, em razão de inquéritos e julgamentos de políticos no Supremo.
A configuração atual do Executivo está pendente de um
Congresso instável e das relações dependentes de fatores passíveis de
deterioração repentina, tal é a massa de interesses heterogêneos ou divergentes
de uma parte e outra. No interior do próprio Supremo Tribunal Federal, e entre
ele e o Ministério Público Federal, há disfunções que chegam até à opinião
pública. E por aí se poderia ir bastante longe.
As instituições fundamentais do regime e seus respectivos
complementos vivem, entre si, confrontações que, à falta de harmonia e de
perspectiva de alcançá-la, configuram uma situação de crise. Crise entre
instituições: crise institucional. Mas não crise das instituições, as quais, em
si mesmas, estão íntegras, estáveis e sem risco. Incluída a instituição
militar.
Crise das instituições e crise institucional: a primeira
ameaça o regime; a segunda, não.
Vivi muitas crises das instituições. Hoje, creio testemunhar mais uma
crise institucional.
A coluna Painel é publicada diariamente em
'Poder'
Natuza Nery- painel@grupofolha.com.br -Assine o feed do blog
25/12/2016 02:00
Por Painel
Micropolítica Nos poucos mais de
sete meses na Presidência, Michel Temer já abriu as portas de seu gabinete no
terceiro andar do Planalto para, ao menos, 200 audiências com deputados e
senadores. Isso contando apenas os registros de sua agenda oficial. Certos
dias, marcou 12 reuniões seguidas com parlamentares de sete siglas, do PV ao
PHS. Ao mesmo tempo em que permite ao presidente boa relação com o Legislativo,
o perfil fomenta críticas de que ele passa muito tempo encastelado no Planalto.
Vai mudar? Quem esteve com
Temer na última visita que fez ao interior de SP, na semana passada, diz que
ele ficou todo prosa com o evento, no qual entregou casas. Repetia a aliados
que era muito bom sair do gabinete.
Só de olho Em audiências
recentes, chamou a atenção a presença de Elsinho Mouco no gabinete de Temer. O
marqueteiro acompanhou reuniões e tomou notas. Teve gente que saiu de lá
perguntando se era ensaio para a campanha de Temer à reeleição.
Com o povão O publicitário,
que trabalha para o PMDB Nacional, está bolando o primeiro programa da legenda
em 2017, que irá ao ar no começo do ano. Defende que, na peça, o presidente
tente se aproximar mais de eleitores das classes D e E.
Vai que cola Com a expectativa
de reforma ministerial, o PP voltou a ser alvo de críticas da base aliada.
Outras bancadas não acreditam muito que Temer tire espaço da sigla, mas fazem o
movimento para ver se o Planalto turbina o caixa de suas pastas.
Pinga ni mim Dirigentes dessas
siglas dizem que, sem ter mais verbas, não conseguem fazer frente ao PP nos
Estados, já que deputados do partido têm à disposição a Saúde, a Agricultura e
a Caixa Econômica Federal — todos órgãos com capilaridade.
Pule de dez Ministros e
presidentes de partidos do centrão já avaliam que são grandes as chances de a
candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à reeleição na Câmara dos Deputados ser
imbatível ou até a única competitiva da base aliada.
Rumo ao bi Caciques de PR, PP
e PRB e até PSD afirmam, reservadamente, que as conversas para um apoio a Maia
caminham bem. Se o atual presidente fechar com esses partidos, não há muita
chance para outro candidato.
Quem quer dinheiro De 2010 até o
início de novembro deste ano, a Câmara já gastou, em valores corrigidos, a
bagatela de R$ 7,9 milhões em diárias para as viagens internacionais de seus
deputados. Eles têm direito a cerca de R$ 1.400 para cada dia em missão fora do
país.
Escalada Os valores crescem
ano a ano exceção a 2014, quando houve eleição. Em 2010 foram R$ 656 mil contra
R$ 1,8 milhão nos dez primeiros meses de 2016. Em passagens internacionais,
foram gastos outros R$ 12,7 milhões no mesmo período.
Ossos do ofício A Câmara sustenta
que as viagens estão condicionadas a ganhos institucionais e à “promoção do
intercâmbio legislativo, das relações comerciais e do compartilhamento de
tecnologias, entre outros ganhos”.
Espírito de corpo Às voltas com as
demandas de servidores em seus Estados, governadores brincam que formaram um
sindicato para defender seus direitos e uma associação para discutir como
conseguir mais dinheiro.
Chapa pronta “O presidente
do sindicato é o Rodrigo Rollemberg (DF) e o da associação, o Wellington Dias
(PI)”, diz um dos governadores atuantes nas tratativas.
Esqueceu? A indústria está
preocupada com o futuro do Portal Único, que facilita os trâmites para
exportação e importação. Líderes empresariais dizem que o governo Temer incluiu
a iniciativa na lista de medidas para aquecer a economia, mas o orçamento ainda
é insuficiente.
TIROTEIO
Pelo que se pode
ver neste final de ano, 2016 não conhecerá o seu lugar: ele teimará em entrar
por 2017 a dentro!
DO DEPUTADO CHICO ALENCAR (PSOL-RJ), sobre a
continuidade e os desdobramentos da crise política vivida no ano que se
encerra.