Calheiros, dono do Brasil
POR Malu Gaspar
08/12/2016 15:10
Há nove anos, em pleno Carnaval de 2007, Renan Calheiros jantava sozinho
na residência oficial do Senado, acuado e deprimido com o escândalo que
começara com a descoberta de que a empreiteira Mendes Júnior pagava a pensão da
mãe de um filho seu, e só terminaria meses depois, com sua renúncia da
presidência da Casa para evitar a cassação. Naquela noite, duas visitas
chegaram de surpresa. O senador as convidou à mesa, mas permaneceu alheio e mal
conseguiu interagir. Grogue, muito provavelmente entupido de remédios, tentou
conversar, mas apagou ali mesmo, sem concluir a refeição, diante dos pratos de
comida e das visitas constrangidas.
Ontem, após a decisão do Supremo Tribunal Federal que o manteve no
cargo, a mesma casa estava em festa, repleta de políticos, comemorando com
vinhos e uísques a derrota que o Senado impôs ao STF. Por incrível que
pareça, o caso que originou toda a celeuma é ainda o mesmo – o inquérito sobre
a pensão paga pela Mendes Júnior a uma amante. Depois de nove anos dormitando
nas gavetas judiciais, a denúncia do Ministério Público foi aceita pelo Supremo,
gerando a questão arbitrada ontem – afinal, pode ficar no cargo um político
que, sendo o terceiro na linha de sucessão da presidência da República, é alvo
de investigação no STF? Para perplexidade geral de todos os que não comungam
dos códigos de Brasília, a corte disse que sim, pode. Arrumou-se uma jabuticaba
legal tão esdrúxula quanto a criada para impichar Dilma sem tirar-lhe os
direitos políticos: no caso, Calheiros fica no cargo, mas não pode substituir o
presidente da República. Em troca do aval do Supremo, ele aceitou
congelar a tramitação do projeto que impõe limites para abusos de autoridade de
promotores e juízes. Que não reste dúvida, porém: mesmo cedendo, é o presidente
do Senado o grande vitorioso desse episódio.
A cena de um Calheiros inerte, derrubado por medicamentos, está contada
no livro Entre a Glória e a Vergonha:
memórias de um consultor de crises, publicado em capítulos pelo UOL. O autor, Mário Rosa, que
esteve nos bastidores de algumas das mais graves crises políticas e
empresariais do país, é amigo do senador. “Naquele momento, Renan era a
crise da vez, um tumor a ser extirpado pela classe política. Hoje, ele é o
único capaz de salvar o Brasil da septicemia.” O argumento de Rosa é justamente
o que os ministros do Supremo ouviram na calada da noite de políticos de todos
os matizes, escalados para construir a salvação do presidente do Senado. Jorge
Vianna, petista ilustre, flagrado em um grampo da Lava Jato defendendo “subir o
tom” e “enfrentar” o juiz Sérgio Moro, foi o principal emissário de Calheiros
ao Supremo. Ao longo do dia, ontem, enquanto os ministros davam lustre de
juridiquês aos votos elaborados sob o calor de um impasse institucional,
jornalistas e comentaristas repetiam placidamente que, sem Renan na
presidência, o Brasil mergulharia em uma crise sem precedentes – e com desfecho
imprevisível.
Triste o país que precisa salvar Renan Calheiros
para assegurar a sua própria salvação. Para o bem de todos, porém, o
melhor é que a afirmação não seja verdadeira, porque a solução que magistrados
e políticos sacaram da manga é apenas provisória. A aura de intocável conferida
a Calheiros a partir de agora só atiçou ainda mais a sanha investigativa de
procuradores, policiais federais e magistrados que não respeitam conluios
políticos tramados no escuro – sem contar os inimigos inconfessáveis que montam
dossiês e grampos nos submundos do Planalto. Além de ser o foco de outros doze
inquéritos no Supremo, Calheiros ainda tem potencial para figurar em destaque
nas delações premiadas que vão sacudir o Brasil em 2017: se não brilhar na da
Odebrecht, certamente será protagonista da de Eduardo Cunha. Como bem lembrou
um experiente observador de Brasília, dia desses, “sempre que vai prender um
traficante, a polícia começa a divulgar que ele é o novo dono do morro”.
Calheiros, hoje, é o dono do Brasil. Se continuará sendo amanhã já é outra
história.
MINISTRO DO STF PEDE QUE PGR SE MANIFESTE SOBRE AÇÃO CONTRA RENAN
08/12 - 17:45hs -
Um dia após o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) manter Renan na Presidência do Senado, o ministro do STF, Edson Fachin, deu cinco dias para que a Procuradoria-Geral da República se manifeste sobre a ação cautelar em que o procurador-geral Rodrigo Janot pede o afastamento do presidente do Senado, Renan Calheiros, do cargo por ter se tornado réu em ação penal por peculato.
Os argumentos apresentados pela PGR na ação cautelar para pedir o afastamento de Renan se assemelham aos do ministro Marco Aurélio Mello - aceitos apenas em parte pelo Pleno, proibindo que o senador venha a assumir a Presidência da República, mas salvaguardando-lhe o cargo de presidente do Senado. No despacho desta quinta-feira, 8, Fachin, relator da ação cautelar, menciona a decisão do Pleno.
Janot pode retirar o pedido de afastamento, mantê-lo nos moldes como foi feito ou ainda formular uma nova fundamentação na ação.
Na sessão, Janot também foi notificado pelo ministro Marco Aurélio Mello para que analise se houve crime de desobediência por parte de Renan e dos integrantes da Mesa do Senado, por terem se recusado a cumprir a decisão liminar do afastamento do presidente do Senado. Marco Aurélio disse que a recusa "fere de morte as leis da República". As informações são do Estadão.
Publicação de bahiaeconomica
Nenhum comentário:
Postar um comentário