SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA
Um governo do
fim do mundo
18/01/2017 02h00
Definitivamente o ministro Alexandre de Moraes não
é do ramo. Já foi presidente da CET (Companhia de Engenharia de Trafego) e
secretário municipal de Serviços e de Transportes de São Paulo. Falta-lhe, no
entanto, estofo para enfrentar o cotidiano do Ministério da Justiça. Sua gestão
permitia supor uma tragédia anunciada. E as tragédias ocorreram.
Os avanços pontuais –e que não foram tantos– do
Ministério da Justiça foram destruídos. A nem tão progressista política de
drogas foi varrida pelas imagens de um ministro cortando pés de maconha e
declarando guerra às drogas.
Até a ONU está percebendo que tal guerra não está
dando muito certo. Basta ver o poderio econômico do tráfico no Brasil e no
mundo. Se o Brasil tem um dos maiores incrementos de população carcerária do
planeta é porque a guerra inunda os presídios com pequenos traficantes. E não
resolve o problema da criminalidade. Bem ao contrário.
Políticas preventivas como o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania foram trocados por sinalizações repressivas. O
tradicional indulto de Natal, gestado pelo Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, com trâmite pelo Ministério da Justiça e assinado
pelo presidente da República, ignorou o trabalho do conselho, que o elabora com
audiências abertas à comunidade jurídica.
Em sentido contrário à moderna política criminal,
que vê no indulto instrumento de garantia de direitos humanos e de mitigação
das dores do cárcere, fez-se tábula rasa da proposta, apequenando o sentido
humanizador do indulto, em demonstração evidente do caráter repressor assumido
pelo ministro. Ninguém foi poupado. Criminosos comuns e até idosos,
tetraplégicos e cegos tiveram indulto dificultado.
O Estado, avassalado pelo novo regime fiscal,
parece querer fazer caixa com o dinheiro de miseráveis condenados. Extinguiu-se
o indulto da pena de multa, existente desde 2008. O conjunto de medidas
dispostas no decreto 8.940/2016, que trata do indulto natalino, foi uma clara
mensagem de que bandido bom é o bandido morto.
Vá lá. Tudo isso seria admissível na lógica da
ideologia punitivista. O que não se admite, contudo, é a pura burrice. Não
permitir que se faça o encaminhamento do indultado ao Sistema Único de
Assistência Social, modelo de gestão criado pela lei 8.742/93, é querer
condenar o egresso do sistema à profecia da reincidência que se autorrealiza.
Se ainda há quem acredite que o objetivo da pena é
mitigar a reincidência e reinserir o condenado na sociedade, o ministro da
Justiça conseguiu, de uma penada, dizer que o Estado deve perseguir até a morte
o criminoso. Javert não conseguiu fazer tanto com Jean Valjean.
Mas a responsabilidade do titular da Justiça é
maior. Falar em criminalidade organizada no Brasil, como se fosse algo nascido
fora da prisão, é ignorar a realidade. As facções criminosas nasceram entre nós
como uma resposta ao comando punitivo exacerbado dos cárceres.
Punir mais, como quer o ministro da Justiça, é
querer alimentar a insegurança dos cidadãos. E tem um custo muito alto
(concursos, treinamento etc.), que nosso Estado falido não consegue suportar.
Com a política de terra arrasada feita pelo
ministro Alexandre de Moraes, e com o número de mortos que excede ao massacre
do Carandiru, ele já ganhou seu lugar na história: é o Pedro Franco de Campos
(secretário de Segurança à época do massacre em SP) do governo federal.
SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA, professor titular da Faculdade de
Direito da USP, presidiu o Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária do Ministério da Justiça de 2007 a 2009 (governo Lula)
Fonte:Opinião – Folha de São Paulo/UOL
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