Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais
importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e
econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.
A indiferença é
a origem do massacre em Manaus
Marlene Bergamo - 3.jan.2017/Folhapress
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Corpos de presos mortos em rebelião em Manaus são enterrados
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05/01/2017 02h00
Aquelas quotas de responsabilidade e o massacre em
Manaus provêm da mesma origem: a indiferença que faz com que reações como o
horror sejam o reflexo do incômodo, pessoal e grupal, que dado acontecimento
provoque, e não a revolta ativa contra o acontecimento e sua viabilidade. Desviadas
as atenções para outra atração, o horror desaparece devorado pela indiferença.
É a índole brasileira em atividade.
A grande maioria das sentenças a encarceramento não
leva ao que o juiz determina –privação da liberdade por tempo determinado.
O mais importante da condenação não aparece na
sentença: é o tratamento que o encarcerado receberá. A tortura da promiscuidade
nojenta nos cárceres superlotados, comida e dejetos humanos unidos no odor e no
ambiente, medo e alucinação. É tortura sob formas a que as instituições
brasileiras são secularmente indiferentes.
Aquelas mesmas que, originadas na escravidão aqui
mantida até o último limite, transpuseram-se para as relações econômicas,
sociais e culturais da classe escravagista e seus novos subjugados –os
ex-escravos abandonados no tempo e no espaço, acrescidos da miséria cabocla.
Qualquer cidade é um atestado vivo de que o Brasil não teve mudança essencial
com o fim formal da escravidão.
Dos 622 mil encarcerados, mais de 40%, ou cerca de
assombrosos 250 mil, estão sob prisão "provisória" há meses, há anos,
que deveriam durar 30 dias, se tanto. Ou nem isso, porque esses
"provisórios", se e quando afinal chegam ao julgamento, na maioria
são absolvidos.
Logo, nem sequer precisariam ou deveriam passar por
prisão provisória. No Amazonas, dos 4.400 encarcerados, 2.880, ou 66%, são
presos "provisórios". Não menos expressivo da secular e perversa
indiferença brasileira: cerca de metade dos sentenciados à cadeia não cometeu
crime violento. Ao menos parte, portanto, e o provável é que grande parte,
conforme o Direito Penal menos obsoleto, deveria cumprir penas alternativas,
sem chegar ao cárcere.
A maioria dos "especialistas", além da
superficialidade que sobrevive a todos os massacres e incidentes penitenciários,
continua a reclamar por mais cárceres, considerando uma carência de 240 mil a
250 mil vagas. Melhor seria passar por um crivo os 250 mil presos
"provisórios" e os passíveis de penas alternativas. O resultado
provável é que o número de cárceres não é o problema nem a solução propalados.
A oferta de incentivo, ensino e trabalho talvez
lhes pareça, afinal, a melhor maneira de inverter o avanço permanente da
disponibilidade de crianças e jovens para a marginalidade, vestibular do crime.
O oposto à política econômica e social do governo
Temer.
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