É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da
Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos
domingos.
Fim do mundo
como conhecemos
12/01/2017 02h00
Donald Trump
assume, em uma semana, a Presidência da maior economia do mundo, com um agenda
que provavelmente estará velha e sem sentido antes mesmo que ele termine o
mandato.
Examinemos apenas o aspecto mais midiático dessa
agenda, qual seja a sua cruzada para atrair de volta
aos Estados Unidos os empregos perdidos para, por exemplo, México e
China.
Um amigo diplomata, um dos talentos que o Brasil
desperdiça, me lembra, em brilhante análise sobre as mudanças que se avizinham,
o seguinte dado: o Banco Mundial calcula que o comércio internacional (outro
alvo da agenda Trump) e as transferências de fábricas são responsáveis por
apenas 20% das perdas de emprego no mundo.
A tecnologia responde pelos outros (esmagadores)
80%.
Desnecessário dizer que não está à vista alguma
solução mágica que permita punir a tecnologia para que ela devolva os empregos
que estão sendo perdidos.
Pergunta meu amigo diplomata que pede reserva do
nome: alguém em sã consciência acha que voltaremos a ter agências de turismo
como no passado? Alguém acha que a contabilidade vai voltar a ser feita em
livros, a mão?
Completa: a verdadeira reflexão teria que ser sobre
o que fazer em um mundo em que praticamente não há mais empregos ou muito
poucos ou muito especializados ou de baixa renda. Bingo. A destruição do
emprego faz parte da chamada "Quarta Revolução Industrial".
Trata-se do "auge de uma onda de descobertas
ligadas à conectividade: robôs, drones, cidades inteligentes, inteligência
artificial, pesquisas sobre o cérebro", como diz Klaus Schwab, criador do
Fórum Econômico Mundial, a instituição que, todo janeiro, reúne em Davos a
quintessência do mundo político, acadêmico e principalmente empresarial. É
sintomático que 27 sessões do encontro 2017 tenham como tema, direta ou
indiretamente, a tal de 4ª Revolução Industrial.
Começa, aliás, justamente com emprego:
"Promessa ou perigo —decodificando o futuro do trabalho".
O problema é saber se o trabalho terá mesmo futuro.
É sintomático, como lembra ainda meu amigo diplomata, que a Juventude
Socialista da Suíça, certamente por antecipar que não haverá trabalho para
todos (ou talvez nem sequer para a maioria), conseguiu assinaturas suficientes
para um plebiscito sobre a instituição de uma renda mínima
para todos, tenham ou não trabalho (o ex-senador Eduardo Suplicy
ficaria feliz). A proposta não foi aprovada,
mas, de qualquer forma, o debate está lançado pelo menos em alguns países.
Das 27 sessões de Davos-2017 sobre a nova revolução
industrial, a última, cronologicamente, discutirá "além do possível",
partindo de epígrafe de um futurologista de fama como Arthur Clarke:
"O único modo de descobrir os limites do
possível é ir além deles, rumo ao impossível". É uma boa aposta, mas
parece utópica num mundo em que não parece haver lideranças políticas com
pegada suficiente para superar limites. No Brasil, então, a elite, inclusive a
acadêmica, não consegue nem explorar os limites do possível, quanto mais
superá-los.
Fonte:UOL/Folha
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