Josias de Souza
18/01/2017 03:23
Secretários estaduais de segurança para o ministro Moraes, da Justiça:
'De onde virá o dinheiro?'
Para se chegar a qualquer tipo de acordo, a
primeira condição é estar falando a mesma língua. O Planalto havia preparado um
palco para esta quarta-feira. Sobre ele, Michel Temer brilharia a partir das
15h. Ao lado do presidente, governadores do país inteiro, profundamente
agradecidos, assinariam o novo Plano Nacional de Segurança Pública,
compremetendo-se a implementá-lo. Deu chabu. O espetáculo foi cancelado na véspera.
Verificou-se que as partes falam coisas diferentes.
O que faz com que toda essa conversa sobre união de esforços, essa vontade de
modernizar o sistema penitenciário brasileiro, essa ânsia de combater a
criminalidade organizada transnacional, essa busca altruísta de medidas capazes
de reduzir a quantidade de homicídios no país, tudo isso esbarra na única
invenção humana cujo sucesso dispensa comprovação: o dinheiro.
Em reunião prévia com o ministro Alexandre de
Moraes (Justiça), os secretários estaduais de segurança debruçaram-se sobre os
detalhes do plano que seus chefes deveriam assinar. Fizeram a indefectível
pergunta: de onde virá o dinheiro? Súbito, a solenidade de Temer, a exemplo da
bandidagem da cadeia potiguar de Alcaçuz, subiu no telhado.
O secretário de Defesa de Rondônia, coronel
Lioberto Caetano, resumiu a cena: ''Se o governo não mostrar a origem dos
recursos, os governadores não vão assinar isso. Nós vamos assessorá-los. A
gente assina se for uma coisa que atenda efetivamente às necessidades. O Brasil
já passou pela experiência. Não estamos mais na fase de testes.''
Lioberto atacou uma das prioridades do plano:
''Construir presídio não resolve. Construir presídio aumenta o número de
presos, mas vai aumentar também o gasto com pessoal. Não temos mais condição de
gastar com pessoal. A nossa verba não é igual à saúde que tem destinação
[constitucional] de 25%.''
Poucas horas depois do encontro do ministro com os
secretários estaduais, o palco em que Temer irradiaria todo o seu fulgor estava
desmontado. Em vez da cerimônia apoteótica com 27 governadores, o presidente
receberá em audiência apenas os que chefiam Estados das regiões Norte, além de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Por ora, nada de adesões ao Plano Nacional de
Segurança.
Antes, deseja-se que o Planalto aprove no Congresso
uma emenda enfiando dentro da Constiuição artigo que obrigue a União a destinar
um pedaço do seu orçamento anual para a segurança pública —nos moldes do que
sucede com educação e saúde. Como se as escolas não estivessem em petição de
miséria e os hospitais públicos não matassem doentes esquecidos nos corredores.
Há três meses, o ministro Luis Roberto Barroso, do
Supremo Tribunal Federal, injetou num de seus despachos uma reflexão
premonitória sobre a encrenca do sistema prisional. Conforme já noticiado aqui, Barroso anotou:
“A sociedade brasileira deverá estar ciente de que
o aumento da efetividade e da eficiência do sistema punitivo exige o aporte de
recursos financeiros substanciais. Isso porque será necessário um conjunto de
providências, que vão do aprimoramento da atuação policial a investimentos
vultosos no sistema penitenciário. Embora estas sejam pautas institucionais
importantes, é preciso explicitar que em momento de escassez geral de verbas,
os valores que forem para o sistema punitivo deixarão de ir para outras áreas
mais vistosas e populares, desde a educação até obras públicas.”
Hoje, o Brasil gasta R$ 2,4 mil por mês para manter
um criminoso atrás das grades. E investe R$ 2,2 mil por ano para bancar em
escola pública um estudante do ensino médio. Repetindo: o Estado gasta 13 vezes
mais com os presos do que com os estudantes. Como se o contraste já não fosse
perturbador, o Datafolha informa que 57% dos brasileiros concordam com a tese
segundo a qual “bandido bom é bandido morto.”
É contra esse pano de fundo que o governo de Michel
Temer precisa responder à pergunta dos secretários estaduais de segurança: de
onde virá o dinheiro? Ao farejar o cheiro de queimado, o ministro Henrique
Meirelles (Fazenda) erguerá defronte dos cofres do Tesouro Nacional uma
barricada semelhante às que foram levantadas no pátio da cadeia potiguar de
Alcaçus, nesta terça-feira, pela bandidagem do PCC e do Sindicato do Crime.
Fonte:UOL
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