Uma aparente base sólida no Congresso
Nacional contrasta com a baixa adesão popular. Por trás de mais uma possível
contradição num país que definitivamente não é para amadores, existe a centelha
para um novo processo de erosão no comando do Palácio do Planalto. Essa é a
leitura que faz Ciro Gomes, um dos nomes cotados para lançar candidatura ao
posto máximo dá República em 2018, sobre o cenário que se desenha para Michel
Temer. Ele acredita que o atual presidente não terá condições de encerrar o
mandato, e teme os efeitos da anarquia na política nacional podem trazer
turbulências ainda maiores ao país.
Em contraste com o que foi entendido por
muitos como demonstração de força do governo na aprovação de medidas tidas como
importantes para o ajuste fiscal proposto, Ciro Gomes enxerga vulnerabilidade.
"Ele não tem forte apoio no Congresso. A elite brasileira, o baronato que
manda no país é que baseou o impeachment é quem controla, de fora para dentro
esses congressistas. Eles deram a Michel Temer tarefas para serem cumpridas.
Para elas, há apoio no Congresso. Mas basta rivalizar com qualquer outro tipo
de assunto [que se observar a fragilidade do governo]", argumenta.
Agora filiado ao PDT, após uma sucessão de
trocas de partidos ao longo de sua trajetória política, Ciro Gomes acredita que
o atual presidente não tem respondido da forma correta à primeira e principal
missão que lhe teria sido conferida e isso deverá custar seu mandato. Tido como
um dos poucos possíveis candidatos da esquerda no próximo pleito presidencial
que se dedicam ao debate econômico, o ex-ministro defende a necessidade de se
adotar medidas anticíclicas e uma política monetária frouxa para a recuperação
da economia nacional e que somente a volta do crescimento provocará um alívio
nas receitas e o reequilíbrio fiscal. Preocupado com o nível de endividamento
das empresas e o estado de paralisia nacional, ele acusa o atual governo de
contribuir para a manutenção do quadro depressivo.
Confira os destaques da entrevista
concedida ao InfoMoney na tarde da última quarta-feira (4):
InfoMoney: O senhor defende que não há
rombo na Previdência. As estimativas de que o déficit do INSS vai superar os R$
180 bilhões em 2017 estão erradas?
Ciro Gomes: Todas as vezes em que se
reflete sobre um problema complexo no Brasil, os oportunistas a serviço dos
interesses prevalecentes acabam reduzindo opiniões que deveriam ser complexas.
A grande questão hoje é que, se você tem as receitas destinadas pela lei versus
as despesas para a Previdência, não há déficit. Se somarmos CSLL, PIS, Cofins,
as contribuições patronais do setor privado e público e as contribuições dos
trabalhadores, contra as despesas do presente exercício, temos ainda um pequeno
superávit. Qualquer pessoa que tenha um mínimo de decência e não esteja a
serviço da manipulação de informações vê isso. Eles têm a audácia de falar em
déficit, porque propõem uma DRU [Desvinculação de Receitas da União], que capta
30% de todas essas receitas e aloca para pagar os serviços da dívida, com a
maior taxa de juros do mundo, no momento da pior depressão da história do
Brasil.
Dito isso, a Previdência Social tem dois
problemas. Um é estrutural, derivado de uma mudança da demografia. Tínhamos
seis pessoas ocupadas para cada aposentado quando o sistema foi montado, com
expectativa de vida de 60 anos. Hoje, temos 1,7 trabalhador ocupado por
aposentado, para expectativa de vida superior a 73 anos. Para resolver
estrategicamente a equação de poupança e formação bruta de capital do Brasil,
precisamos avançar com prioridade em uma reforma, mas nunca na direção que
estão propondo. E aí vem o segundo problema: o futuro ou potencial déficit da
previdência brasileira se dá pelas maiores pensões, dos maiores rendimentos,
que levam mais da metade das despesas. Juízes, políticos, procuradores
precocemente aposentados e com pensões acima de qualquer padrão de controle do
país. Isso é uma aberração. A maior punição a um juiz ladrão que vende uma
sentença no Brasil é a aposentadoria compulsória com 100% de seus proventos.
IM - E o que fazer para resolver o
problema?
CG - O superávit vai sumir em dois ou três
anos. Temos que evoluir do regime de repartição [em que as contribuições dos
trabalhadores em atividade pagam os benefícios dos aposentados] para o de
capitalização [em que cada trabalhador poupa para sua aposentadoria], que é o
que todos os países do mundo fazem. E fazer uma espécie de transição, que é o
mais complexo mas há como fazer também, de maneira que, ao fim do processo,
tenhamos uma previdência básica para 100% da população da transição, e a
previdência complementar pública, porém sob controle de coletivos de
trabalhadores e com regramentos de governança corporativa, com prêmios para um
grupo de executivos recrutados por concurso e com coletivos de apuração dos
riscos dos investimentos.
IM - Qual é sua avaliação sobre a fixação
de uma idade mínima para aposentadoria?
CG - Sou a favor, desde que se compreenda
as diferenças do país. Considero uma aberração estabelecer uma idade mínima
igual para um trabalhador engravatado, como eu, e um professor, que, no modo
como Temer vê as coisas, precisaria trabalhar ao menos 49 anos para ter
aposentadoria integral. A expectativa de vida no semiárido do Nordeste, por
exemplo, não chega a 62 anos. Um carvoeiro do interior do Pará também não. É
preciso evoluir para um padrão que conheça o País. Há de se estabelecer uma
idade mínima, mas não pode ser por um modo autoritário e elitista, ditado pelos
setores privilegiados da sociedade.
IM - Há economistas que, assim como o
senhor tem feito nessa discussão da reforma da Previdência, questionam os
atuais termos do debate. Qual deveria ser a agenda econômica atual na sua
avaliação, levando-se em consideração a força do governo e do mercado em
conduzir as discussões?
CG - O setor financeiro está produzindo uma
crise para si próprio, com a proporção dívida/PIB indo de 75% para 90% no ano
que começou. É tão estúpido o modelo feito com [Henrique] Meirelles que agora
estão produzindo o próximo ciclo de crise. É uma crise do setor bancário, cujas
sementes estão dadas. Já são a maior inadimplência e o maior volume de reserva
de crédito para recuperação duvidosa da história, e eles estão querendo
compensar os prejuízos com a taxa de juros real, que simplesmente está fazendo
despencar a receita pública. Nos estados, já é caricata a situação de Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e mais 14 estados por conta desse
receituário absolutamente estúpido do ponto de vista técnico.
Temos que inverter essa ideia boba de
ganhos de confiança, que vai se deteriorar todo dia muito mais. Confiança
depende de números práticos, e o mais relevante deles é proporção dívida/PIB
para o setor financeiro, mas para o setor produtivo é emprego, renda. Tudo isso
está se deteriorando. O que tem que ser feito é o oposto do que essa gente está
fazendo. Em todo momento de depressão econômica, até os mais conservadores
sabem, é preciso que o governo aja de forma anticíclica para liberar uma
dinâmica de retomada de desenvolvimento. E não é com farra fiscal, porque quem
está produzindo desequilíbrio é a queda substantiva da receita. Basta ver que
as despesas que estão aumentando são todas de iniciativa do senhor Michel
Temer. A saber: reajuste das maiores corporações, a forma descuidada com que
negociou a dívida dos estados e municípios.
Enquanto isso, há uma porção de iniciativas
semiprontas que eles estão descontinuando. Desencomendaram 17 navios da
recém-retomada indústria naval brasileira e desempregaram 50 mil pessoas;
descontinuaram as obras da Transnordestina, que tinha 7 mil homens trabalhando;
descontinuaram as obras do Rio São Francisco, enquanto o Nordeste brasileiro
amarga seu quinto ano de seca. Tem áreas importantes colapsando o abastecimento
de água humano. Essa é a realidade do governo.
IM - Qual seria a taxa de juros ideal para
a retomada do crescimento, na sua avaliação como crítico à atual política
monetária?
CG - Todos os grandes mercados do mundo
estão com juros negativos neste momento. Qual é a razão de o Brasil ter os
maiores juros reais do planeta? Teoricamente, defende-se juro alto para
desconjurar inflação, que é o princípio mobilizante desses enganadores há duas
ou três décadas no Brasil. Qual é a inflação de demanda que temos no país? Qual
setor de produção brasileiro está com hiato de produto (demanda maior que
oferta)? Estamos com a maior capacidade instalada ociosa da história moderna do
Brasil.
Quando a taxa de juros foi estabelecida
pela Dilma em 14,25%, a inflação estimada era de 11,5%. Portanto, se
aceitássemos para argumentar -- o que é uma aberração, porque a inflação que se
apresentou derivou-se de preços administrados pelo governo e das consequências
da desvalorização do câmbio, ambos fenômenos sobre os quais os juros não têm
efeito -- que 14,25% é uma taxa correta para enfrentar inflação anualizada a
futuro de 11,5%, hoje a inflação projetada para 12 meses está inferior a 5%.
Qual é a explicação para o atual patamar a não ser a boçalidade com que o Banco
Central serve o setor financeiro?
IM - Mas seria possível reduzir essa taxa
tão rapidamente?
CG - Evidentemente que está interditada a
ideia, mas nada justifica que o Brasil não traga a taxa de juros tão
rapidamente o quanto possível, para não quebrar expectativas e nem causar
prejuízos mais graves a ninguém, e de forma profunda.
IM - O senhor mesmo tem o diagnóstico de
que haveria um confronto entre as coalizões, sobretudo no mercado financeiro,
no caso de uma queda abrupta na taxa. Como sair disso?
CG - Não estou falando em ser abrupto. Mas
acho que o Banco Central tem que acabar com a história de reunir o Copom a 45
dias. Tem que se reunir, reduzir em um ponto [percentual a Selic] agora e
anunciar um viés de baixa, que o mercado inteiro entenda. Os bancos mais
sóbrios sabem que tenho razão. O Bradesco, por exemplo, sabe que a taxa de
juros está causando prejuízo aos bancos. Em São Paulo, ninguém está pagando
ninguém. Hoje, o Brasil está proibido de crescer também, porque o passivo das
300 maiores empresas estrangulou. No último trimestre, nenhuma das grandes
empresas de capital aberto do Brasil gerou caixa para pagar o trimestre de
dívida.
Os bancos privados estão todos saindo da
praça e os créditos de recuperação duvidosa estão todos de novo se concentrando
no Banco do Brasil e na Caixa Econômica. Enquanto isso, ninguém abre a boca. Só
no calote da Oi, foram R$ 65 bilhões espetados no Banco do Brasil e na Caixa
Econômica -- ouça-se: nas costas do povo brasileiro.
IM - Alguns especialistas chamam atenção
para a situação de endividamento das empresas e seus efeitos sobre o sistema
financeiro. Existe a percepção de um processo de deslavancagem em curso, que
pode culminar em transferências de controle de companhias brasileiras a grupos
estrangeiros. Qual é o seu entendimento sobre esse processo?
CG - É o passivo externo líquido
explodindo. O desequilíbrio das contas externas brasileiras é outro fator que
nos proíbe de crescer. Então, tem-se a depressão imposta, com o governo fazendo
um processo restritivo, cíclico, as empresas com passivo estrangulado e o
passivo externo líquido do país explodindo, inclusive com o governo fazendo
desinvestimentos na Petrobras. É um crime, e o jornalismo brasileiro é
cúmplice, por regra.
IM - O senhor se diz contrário às
privatizações, ao passo que existem aqueles que veem nessa iniciativa a melhor
saída, tendo em vista os recentes escândalos de corrupção revelados por
operações como a Lava Jato...
CG - A Odebrecht é estatal?
IM - Não.
CG - Então está aí minha resposta.
IM - O senhor é um dos poucos candidatos
que se define ideologicamente de esquerda e se dedica a um debate
macroeconômico...
CG - O que eu advogo é uma grande aliança
de centro-esquerda, que produza um projeto explícito, fora dos adjetivos
desmoralizados gravemente pelo próprio PT, que malversou o conceito ‘esquerda’
e virou uma agremiação que cooptou setores organizados da sociedade para
praticar uma agenda mista de alguma atenção ao consumismo popular, mas de
absoluto conservadorismo nas estratégias de desenvolvimento do país. O que
advogo é a coisa prática, que dê condição de novo da sociedade brasileira
voltar a produzir e trabalhar.
IM - Quais são os riscos de sua candidatura
não acabar vista como representante do eleitorado progressista e tampouco conquistar
alguma adesão em um debate de maior controle da direita?
CG - No Brasil, infelizmente estamos
olhando de forma rasa sobre problemas complexos. Não vou mudar minha posição,
continuarei tentando pedagógica e pacientemente conscientizar o brasileiro sobre
essas necessidades estratégicas do país.
IM - As esquerdas no mundo estão tendo um
diagnóstico errado sobre o que representa a eleição de Donald Trump (e outros
fenômenos globais), ao atribuí-la exclusivamente a um discurso reacionário e
xenófobo? O pré-candidato Bernie Sanders, por exemplo, teve chances
consideráveis de vencer o pleito e não poderia oferecer leitura mais
antagônica.
CG - Acho que esse é um olhar superficial.
Evidentemente, estamos com um debate em efervescência no mundo, com o colapso da
Europa, a saída do Reino Unido [da União Europeia], vis-à-vis a tensão que a
China está produzindo nas novas relações mundiais. Não sei o que Trump vai
afirmar, mas ele foi eleito pela negação da perversão neoliberal e do rentismo
prevalecendo sobre a produção. É o trabalhador branco, desempregado, do setor
industrial americano a substância da base da eleição. Bernie Sanders
sistematizou um pouco mais claramente esses valores, mas de forma
dialeticamente difícil de ser engolida pelo grande sistema americano.
Mas o debate está fervendo na Europa, e
todo mundo percebendo que a solução para o problema é recuperar os mecanismos
de coordenação estratégica do governo e por interação com a iniciativa privada.
Não é estatismo ao modo velho, muito menos esse liberalismo estúpido que
produziu a maior agonia do capitalismo mundial com a crise de 2008, cujos
escombros estamos vivendo ainda hoje.
IM - Muitos nomes favoráveis ao impeachment
de Dilma Rousseff, pensando em uma retomada da economia, começaram a se ajustar
a projeções mais negativas. O país ainda pode evoluir em 2017?
CG - Não vamos evoluir. É claro que você
vai assistir o Banco Central correndo um pouco mais rapidamente na direção
correta, mas ainda muito mais lentamente do que o necessário, de forma insuficiente
para reverter expectativa. O ano de 2017 também já está comprometido.
Em uma palestra em um think tank em
Washington, logo na iminência do impeachment, com todos muito animados, eu
disse: “vocês estão completamente equivocados em querer colher maracujá em pé
de laranja. Dessa coalizão de corruptos, incompetentes e entreguistas, não sai
nada senão corrupção, incompetência e entreguismo”.
IM - O ajuste fiscal não seria uma saída?
CG - A única forma de o Brasil sair da
profunda crise fiscal em que se encontra é aumentar a receita. Nessas
circunstâncias, há duas condições -- o que não quer dizer que não se tenha que
impor a eficiência da despesa. Uma delas é, de forma segregada, imediatamente
aumentar alguns tributos, como Cide e CPMF. Mas estrategicamente só há um jeito
de fazer a receita voltar a crescer: o país assumir a decisão de crescer.
Para isso, é preciso fazer grandes
movimentos de conjuntura, como consolidar o passivo do setor privado, descendo
a taxa de juros aceleradamente. Mas também proponho que se possibilite a
consolidação de passivo com US$ 50 a 70 bilhões extraídos das reservas e
alocados em um fundo soberano, que pode ser feito nos BRICS ou em um fundo
soberano que o Brasil crie. Seria trocada dívida interna no juro brasileiro por
uma dívida externa, com câmbio razoavelmente estabilizado, correndo a taxa de
juros negativa no exterior. Você pagaria o hedge e ainda compensaria
dramaticamente, também sendo um grande coadjuvante para a retomada do
investimento privado e da queda da taxa de juros pela consolidação dos passivos
de grandes empresas brasileiras, que tinham plano de investimento quando esses
estúpidos começaram a destruir a economia.
IM - Nesse cenário de dificuldades na
economia, o senhor vê Michel Temer encerrando o mandato em 2018?
CG - Não consigo ver. A elite brasileira
sabe que não dá para esperar tanto tempo e vai cavar o buraco para ele também.
IM - Levando-se em consideração sua
experiência parlamentar e como ministro e governador, qual é a avaliação que
tem da atual situação de governabilidade de Temer? Um forte apoio congressual,
mesmo em meio às fraturas na base, e a contradição com o elevado nível de
reprovação popular.
CG - Ele não tem forte apoio no Congresso.
A elite brasileira, a plutocracia, o baronato que manda no país e que baseou o
impeachment é quem controla, de fora para dentro, esses congressistas. Eles
deram a Michel Temer, que é uma pinguela ou um trambolho, tarefas para serem
cumpridas. Para elas, há apoio no Congresso. Mas basta rivalizar com qualquer
outro tipo de assunto [que se observa a fragilidade do governo]. Por exemplo: a
reforma trabalhista não vai acontecer. Pergunte a opinião de Paulinho da Força
(SD-SP), que estava junto com ele no impeachment, sobre esse assunto. Outro
exemplo é a negociação dos governadores sobre a dívida. Pergunte ao filho do
César Maia [Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados] a qual
senhor ele serviu quando agiu lá. Então, vivemos de ilusões. Também é tarefa
minha pedir ao jornalismo brasileiro que saia desse pacto de estupidez.
IM - O senhor compartilha do entendimento
de que houve um golpe contra Dilma Rousseff e que ele não se restringe ao nível
doméstico. Qual é o seu desenho da geopolítica do processo?
CG - Basicamente, o impeachment foi
provocado ancestralmente pela descontinuação do governo Dilma, em função da
distância entre a marketagem de campanha e a prática no início do segundo
governo. Isso criou um ambiente que desconstruiu muito precocemente seu laço
com o povo brasileiro. Ela fez uma opção de, ao não politizar os problemas
estratégicos na campanha, enganar o povo e achar que teria tempo para corrigir.
Essa é a causa remota.
A causa que se organizou – fissura,
inclusive, pronta nessa contradição de Michel Temer -- tem três interesses
bastante práticos:
1) Gerar excedentes fiscais, em ambiente de
agonia fiscal, a qualquer preço para proteger a inflexão da proporção
dívida/PIB, para o rentismo. Essa é a primeira grande razão e a tarefa de
Temer, que tem que cumpri-la e não o está fazendo. O déficit primário vai se
aproximar de R$ 200 bilhões, enquanto o nominal, R$ 450 bilhões.
2) O alinhamento internacional do Brasil
completamente desmontado. [Apesar de] Contraditória e despolitizada, a
presença do país em uma ordem internacional difusamente multipolar teve
aproximações sensíveis com Rússia em uma hora de Crimeia, com a China, em uma
hora em que a estratégia americana era o Tratado do Transpacífico (que Trump
prometeu revogar). Em um momento estratégico como esse, os primeiros centrais
princípios da política do império são não permitir uma ordem multipolar que não
se renda ao monopólio do poder que ganhou na bala, na Segunda Guerra Mundial, e
se sustenta na base do termo de troca (dólar) e na sofisticação tecnológica.
3) A entrega do petróleo. Observe a pressa
com que [José] Serra apresentou um projeto para eliminar as restrições de
acesso da Petrobras a reservas [do pré-sal], de eliminar o conteúdo nacional e
a pressa como estão vendendo subfaturados vários dos investimentos da
companhia. Na cara da imprensa brasileira, venderam o campo de Carcará por US%
1,35 o barril de petróleo para uma estatal norueguesa e agora venderam, por US$
2 bilhões coisa que custou recentemente US$ 9 bilhões, para a empresa francesa
Total. Tudo com muita pressa.
As três grandes demandas Temer está
tentando entregar. Não vai conseguir a mais grave, e, por isso, vai cair.
IM - Se o senhor se candidatar à
Presidência em 2018, como pretende governar com um Congresso tão conservador,
fragmentado e empoderado como o atual?
CG - Digo de novo: vou pensar mil vezes em
me candidatar. Meu partido vai definir e cumprirei minha obrigação. Mas, se
for, irei para fazer história.
O presidencialismo tem mil desvantagens e a
mais grave delas é essa lógica de impasses, em que o presidente tem as
responsabilidades pela saúde dos negócios de Estado e um Congresso, que não
tem, no sentido jurídico do tema, responsabilidade nenhuma, pode diminuir ou
aumentar despesas, sem pagar qualquer consequência, enquanto, no
Parlamentarismo, isso não acontece.
Mas o presidencialismo também tem sua
vantagem, que é a capacidade que o presidente da República tem tido, na
tradição brasileira, de se escorar na opinião pública e fazer a construção de
uma maioria de forma qualitativa. Fui ministro da Fazenda no governo Itamar
Franco. Ele não tinha partido, não tinha maioria orgânica -- o que não é meu
caso, que tenho experiência política e tenho um partido, onde as alianças
políticas são perfeitamente praticáveis --, mas, ainda assim, conseguiu
governar com força política imensa e, cada vez que precisou, apostou no povo,
na mobilização da opinião pública, para que os grupos de pressão clandestinos
não o esmagassem.
IM - Um entendimento do TSE (Tribunal
Superior Eleitoral) e uma lei recentemente aprovada pelo Congresso, à revelia
do que determina a Constituição Federal, apontam para chances de eleições
diretas em caso de queda do governo Michel Temer. O senhor se vê apto a se
candidatar se o processo eleitoral se iniciasse amanhã?
CG - Meu partido que vai resolver isso e
cumprirei minha responsabilidade. Mas, se for, farei o que deve ser feito pelo
País, para voltar para casa com a consciência tranquila. Tenho muita esperança
e confiança de que é possível resolver o problema do país, não que seja simples
ou fácil, mas é perfeitamente praticável fazer o Brasil retomar seu destino,
que não é essa mediocridade corrupta que tomou conta.
Mas estou muito incomodado com esse estado
de anarquia que as coisas têm acontecido. A Constituição diz que, se o
presidente da República for cassado, o vice assume. Se o vice, por alguma
razão, sair antes de dois anos de mandato, há eleições diretas. E, se ele sair
depois de dois anos, a eleição é feita indireta pelo Congresso. Eu tenho nojo e
pavor da ideia de que isso vá acontecer. Mais nojo e pavor tenho da ideia de se
ficar manipulando a Constituição, desses juízes que fazem discursos políticos,
porque isso é um estado de baderna e é muito pior do que qualquer outra coisa.
IM - A Operação Lava Jato é um tabu para a
esquerda. Enquanto parte apoia, outra foge do debate, e uma terceira parcela
critica abusos cometidos e os efeitos gerados para a economia do país e as
empresas. Como promover um combate à corrupção sem provocar grandes fissuras na
economia? O que o senhor proporia de diferente?
CG: Temos que olhar as coisas complexas com
olhares complexos. A Lava Jato é uma coisa essencialmente importante para o
Brasil, porque parece dar fim ao histórico de impunidades do baronato da
política e do mundo empresarial. Por isso, ela merece todo o apoio e estímulo.
Isto dito, temos também alguns problemas,
como o excesso de aplausos e exibicionismos de juízes e procuradores. Isso não
é bom, mesmo para a Lava Jato, porque à medida que você extrapola, o risco de
suspeições está dado. Várias sentenças que alçaram a segunda instância da
Justiça foram anuladas, é só se lembrar da Operação Satiagraha. É isso que está
fadado a acontecer se não forçarmos a mão com essa garotada de Curitiba. Eles
têm que se lembrar que Justiça é severidade, modéstia e não ficar se exibindo.
Outra coisa gravíssima é que quem comete
crime é a pessoa física. No ordenamento jurídico brasileiro, pessoa jurídica
não comete crime. Então, as punições têm que ser severas, mas destinadas
exclusivamente à pessoa física, que praticou o ato ilícito. O mundo inteiro
salva a cara das empresas. A Construção Civil é um dos raros setores em que
temos algum protagonismo global, mas eles estão destruindo as empresas. Isso,
no entanto, não é culpa dos juízes, mas dos políticos, que não têm coragem de
fazer acordo de leniência e não deixam que os juízes cumpram suas tarefas de
dar a pena que for necessária para as pessoas. Mas salvar as empresas para que
elas atuem é um imperativo de ordem pública no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário