Estado depende de facções
para esfriar prisões
Josias de Souza
10/01/2017 05:56
Aos pouquinhos, o ministro Alexandre de Moraes vai se tornando a silhueta mais visível da impotência do poder estatal diante da barbárie que se instalou nas penitenciárias brasileiras. Na noite desta segunda-feira, o titular do Ministério da Justiça convocou novamente os jornalistas para anunciar um lote de providências emergenciais requisitadas por governadores em pânico. As medidas são reveladoras da incapacidade do Estado de operar mudanças estruturais.
Concentrado na tarefa de articular o possível
diante de um flagelo que exige o impossível, Moraes continua pronunciando
frases que escancaram a irrealidade em que vive o governo federal. O ministro
reconheceu que ''há uma crise crônica” nas prisões. Declarou que, em alguns
Estados, a crise tornou-se “aguda.” Mas sustentou que o descalabro não autoriza
ninguém a concluir “que o sistema penitenciário está fora de controle.''
Moraes tem razão. A coisa não está fora de
controle. As facções criminosas controlam tudo. Aproveitando-se da
esculhambação do Estado, o crime se organizou. Presidentes da República,
governadores, ministros e magistrados executam há décadas uma coreografia
inútil. Rodopiam como parafusos espanados. A única perspectiva de conter os
surtos futuros de mortes e decapitações está no discernimento dos criminosos,
que planejam a barbárie de modo a evitar que o excesso de sangue atrapalhe os
negócios.
A Família do Norte, logomarca criminosa que
patrocinou as execuções mais recentes, controla a Rota do Solimões, por
onde escoa a cocaína produzida na Colômbia e no Peru. Atribui-se a matança de
quase uma centena de presos à decisão da facção nortista, associada ao carioca
Comando Vermelho, de executar rivais locais e representantes do pedaço da
bandidagem que segue as ordens do concorrente paulista PCC (Primeiro Comando da
Capital).
Ou os criminosos se convencem de que seus negócios
serão atrapalhados e estancam a sangria ou a soldadesca da Força Nacional e os
equipamentos enviados pelo ministro da Justiça não servirão senão para inspirar
novas retaliações que prejudicarão brasileiros inocentes fora dos presídios
—sem mencionar o risco de levar a combustão para cadeias assentadas em outros
pedaços do mapa brasileiro.
As masmorras do Brasil são alguns dos lugares mais
absurdos do mundo. Uma solução para retirar as prisões do centro do insolúvel
seria aplicar ao pé da letra a Lei de Execuções Penais. Não há coisa mais
moderna. Mas para que o óbvio prevalecesse, seria necessário que houvesse no
Brasil algo parecido com um Estado. Ao dizer que as prisões não estão fora do
controle estatal, o ministro da Justiça apenas realça o caos. Não é que o
governo não encontre uma solução. As autoridades ainda não enxergaram nem o
problema.
Publicação:UOL
É farmacêutica, senadora pelo PCdoB do Amazonas e procuradora especial
da mulher do Senado.
Escreve às terças.
Escreve às terças.
Pavoroso, sim!
Acidente, não!
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Marlene Bergamo - 4.jan.2017/Folhapress
Lamento profundamente escrever sobre meu querido
Amazonas tratando de algo tão doloroso.
Não do "acidente", mas do massacre bárbaro,
pavoroso, que sucedeu a festa de Réveillon e que já vitimou quase 70 detentos
em Manaus (AM). Fato agravado com a chacina de outros 33 em Boa Vista (RR),
ocorrida no dia de Reis.
A chacina ocorreu por absoluto descaso do governo
com o sistema prisional e é de sua inteira responsabilidade, a qual não pode
ser terceirizada ou privatizada.
Se há o controle das penitenciárias pelas facções
criminosas é porque há promiscuidade do governo e certa licenciosidade do
conjunto das autoridades, o que explica as "celas de luxo", festas,
entrada de armas, drogas e fugas.
No Amazonas, há ineficiência da empresa privada que
opera os presídios. Há sobrepreço do contrato (triplo da média nacional), que
já consumiu, de 2010 a 2016, R$ 1,1 bilhão do dinheiro público, parte dos quais
irrigaram campanhas do governador e seus aliados.
Gravações no processo eleitoral de 2014 revelaram
que o major da PM Carliomar Brandão, então subsecretário de Justiça e Direitos
Humanos, celebrou um acordo com Zé Roberto (chefe da FDN). Houve compromisso
com regalias para a facção em troca de 100 mil votos à reeleição do governador
José Melo (Pros). O processo tramita no TSE, até hoje sem julgamento.
A solução é complexa e exige a superação de
problemas objetivos e subjetivos. Exige diálogo e ações permanentes dos
Poderes. Criar mecanismos de penas alternativas e fazer os detentos trabalharem
para evitar a superlotação dos presídios e gerar recursos para fazer frente às
despesas.
Nesse caso, o congelamento dos
gastos públicos por 20 anos certamente não ajudará na solução. É
necessário combater a corrupção permanentemente.
Subjetivamente é preciso superar a cultura da
banalização do massacre contra pobres e da simplificação vulgar dessa
selvageria, expressas nas desastrosas declarações do governador Melo e do
presidente Temer (PMDB), bem como na escalada crescente de desumanização e
intolerância da sociedade, cuja síntese é a apologia de que "bandido bom é
bandido morto".
De fato, é difícil para as pessoas aceitarem que se
gaste tanto dinheiro para manter um sistema prisional caótico quando há
carência de recursos para tantas outras áreas.
A constatação de que esse problema persiste por
tantos anos sem uma solução à vista explica o apoio popular a propostas
equivocadas, como a redução da maioridade penal e até a pena de morte.
De fato, a situação é grave, explosiva
e precisa ser enfrentada nas suas reais causas, e não com medidas paliativas.
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