A prisão de Guilherme Boulos é recado do Estado a quem quiser resistir
Leonardo Sakamoto
17/01/2017 13:22
A acusação de que Guilherme Boulos incita ao crime
por mediar uma reintegração de posse e sua detenção são tão
bizarras quanto as ações que foram movidas contra o coordenador do
MTST por ter afirmado que parte da sociedade iria resistir nas ruas às reformas
que reduzem direitos propostas pelo governo Michel Temer.
A Polícia Militar de São Paulo deteve Guilherme
Boulos, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), na
manhã desta terça (17). Ele dava apoio a cerca de 700 famílias em uma reintegração
de posse na ocupação ''Colonial'', em São Mateus, na Zona Leste de São Paulo.
Boulos tentava mediar, junto com outras
pessoas, o diálogo entre os moradores e a Tropa de Choque e foi acusado de
incitação à violência e desobediência. ''Cometem a violência de despejar 700
famílias e eu que sou preso por incitação à violência?'', afirmou Boulos a este
blog. Um comandante da polícia militar que participava da reintegração
afirmou que o caso de incitação à violência era uma reincidência e citou manifestações
realizadas com a participação de Boulos perto da casa de Temer.
Levado para o 49o Distrito Policial, em São Mateus,
ele foi ouvido pelo delegado e, até a publicação deste post, não havia
sido solto. A PM afirmou, em nota, que atendeu a uma solicitação de apoio aos
oficiais de Justiça e que moradores resistiram à reintegração de posse com
pedras, tijolos e barricadas com fogo.
Resistência significa utilizar os meios possíveis e
ao alcance de cada um para demonstrar sua insatisfação. Isso ocorre com as
elites econômica e social brasileiras, que não fazem de rogadas ao usar
recursos financeiros para fazer valer sua vontade. Mas quando
trabalhadores e movimentos sociais prometem resistência, ocupando ruas,
avenidas e outros espaços, a ação vira caso de polícia? Onde o pessoal acha que
está? Ou quando gostaria que estivéssemos? No Brasil do final do século 19
ou em plena ditadura civil-militar?
A criminalização da resistência de apenas um dos
lados mostra o quanto os atores de nosso sistema político são incapazes de
entender o que é, de fato, uma democracia. Chamar de violenta toda forma
de resistência com a qual não concordamos é, no mínimo, infantil.
Como, por exemplo, mostrar resistência diante de uma injustiça, como aquela que
ocorre quando se retira centenas de famílias em um dia de chuva,
sem saberem para onde ir, nem como.
PM cumpre
reintegração de posse de terreno em São Mateus, na zona leste da capital
paulista. Foto: Peter Leone/Futura Press/Estadão Conteúdo
Dessa forma, ao que
tudo indica, a detenção de Guilherme Boulos não ocorre por sua atuação na
mediação da manhã desta terça, mas por seu papel na resistência social e
política brasileira. Sua voz tem sido uma das principais nas críticas ao
governo Michel Temer, assim como também era durante o governo Dilma Rousseff.
Ou seja, essa é sim uma prisão política.
Por isso, é preciso
calá-lo ou reduzir sua credibilidade. Para que a narrativa da
criminalização de movimentos sociais seja efetiva na mídia, nas redes sociais,
nos espaços políticos. Narrativa que quer inverter os sentidos das palavras e
transformar resistência popular em ameaça à democracia e à governabilidade.
Boulos é liderança
do principal movimento social de massa deste país em termos de centralidade da
pauta, capacidade de mobilização e visão de atuação hoje. Um movimento com uma
agenda antiga, mas com uma equipe que sabe se comunicar e influenciar a disputa
simbólica da narrativa, pela mídia, pelas redes sociais.
E vem exatamente do
posicionamento crítico adotado contra a administração federal anterior o
respeito de vários setores da esquerda para com o movimento e com ele. Esse
respeito e essa capacidade de mobilização, que conseguem colocar dezenas de
milhares de militantes nas ruas quando preciso, assusta muita gente.
Que prefere vê-lo
preso do que articulando ou em cima de um caminhão de som.
Essa seria uma
forma do poder público de São Paulo, mas não apenas ele, dar um ''recado'' aos
movimentos sociais, de acordo com fontes ligadas a ele ouvidas por este blog.
Daqui para a caça aberta nas ruas, escolas e empresas é um pulo. Esse tipo
de ação é uma amostra do que está acontecendo com parte da esquerda brasileira,
com um macarthismo à brasileira se instalando aos poucos, como ação sistemática
de limpeza ideológica. Já vimos, aqui e ali, a perseguição a quem usa roupas
vermelhas e a agressão em espaços públicos contra quem defende determinado
ponto de vista. Até o juramento de Hipócrates foi rasgado por médicos que acham
normal não prestar atendimento a alguém que não compartilha da mesma opinião
política que eles.
Daqui para a caça
aberta nas ruas, escolas e empresas é um pulo.
Apesar de
conquistas sociais obtidas na última década, o governo do PT não atendeu às
pautas históricas propostas pelos movimentos sociais – o que, como já disse
aqui, não seria nenhuma ''revolução'', mas melhoraria a vida de milhões de
brasileiros que se mantêm excluídos. Pelo contrário, em nome da
''governabilidade'' fez alianças espúrias, apoiando forças econômicas e
políticas que eram contrárias a esses interesses populares, ignorando o suporte
oferecido por esses mesmos movimentos para um mandato que significasse uma
mudança de paradigma.
E o Brasil sob
Michel Temer só piora esse quadro, com o desmonte do simulacro de Estado de
bem-estar social que temos por aqui por conta da Constituição Federal de 1988 e
por décadas de lutas do sociais.
Todos os movimentos
sociais sabem o que é serem considerados criminosos simplesmente por lutarem
pelos direitos que lhes são garantidos pela Constituição. Sabem o que é levar
cacete por representar o que está em desacordo com a visão hegemônica de
''progresso'' e crescimento econômico, seja no campo ou na cidade. E ainda
guardam na memória as cicatrizes deixadas pelo passado, temendo que voltem a
ser caçados dependendo do clima político do país.
Você pode não
gostar de Guilherme Boulos. Mas, se preza pela liberdade, deveria repudiar a
sua criminalização e dos movimentos sociais populares, da mesma forma que deve
ser repudiada a criminalização de qualquer liderança social, de direita ou
esquerda.
Pois, hoje é com
ele. Depois, com uns sindicalistas, operários, padres, jornalistas…
Amanhã, quem sabe,
não vai ser com você?
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