Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi
correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'. Escreve de terça a
sexta e aos domingos.
Não foi
acidente, presidente
Alan Marques/Folhapress
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O presidente Michel Temer participa de reunião no Palácio do Planalto
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06/01/2017 02h00
BRASÍLIA - Depois de três dias em silêncio sepulcral, o presidente Michel Temer decidiu falar sobre o massacre no Amazonas. Ele classificou a matança de 56 detentos como um "acidente pavoroso". A declaração apavorou especialistas que se dedicam a estudar as prisões brasileiras.
Após se omitir sobre
uma chacina de repercussão mundial, Temer tropeçou na própria língua. Segundo o
"Houaiss", a definição mais comum de acidente é algo "casual,
inesperado, fortuito". O banho de sangue em Manaus passou longe das três
coisas.
"A fala do
presidente foi infeliz, absurda e irresponsável", me disse a diretora da
Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu. "A palavra acidente dá
a ideia de algo imprevisto. Este massacre era uma tragédia anunciada",
acrescentou.
O Mecanismo Nacional
de Prevenção e Combate à Tortura, subordinado ao Ministério da Justiça, já
havia alertado o governo sobre a situação. Um relatório de janeiro de 2016
descreve as cadeias amazonenses como barris de pólvora prestes a explodir.
"A ação da
administração penitenciária é bastante limitada e omissa diante da atuação de
facções criminosas", diz o texto. "Os presos basicamente se
autogovernam nas unidades prisionais, afetando a segurança jurídica e, mais
grave, o direito à vida das pessoas", prossegue.
O relatório oficial
denuncia um "quadro sistemático de tortura", aponta o risco de
rebeliões e enumera problemas causados pela privatização das penitenciárias.
Ao comentar a
matança, Temer argumentou que "o presídio era terceirizado e privatizado
e, portanto, não houve uma responsabilidade objetiva, clara e definida dos
agentes estatais". Para a diretora da Human Rights Watch, o presidente
perdeu outra chance de ficar calado.
"O Estado não
pode abrir mão da responsabilidade sobre os presos sob sua custódia",
disse Canineu. "Na verdade, quem mandava nas cadeias não era a iniciativa
privada, e sim as facções criminosas", concluiu.
Publicação :UOL
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