quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Trânsito de SSA cria 'sedentarismo obrigatório', diz presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia


por Francis Juliano / Fotos: Marcela Gelinski
Se juntar todas as causas de mortes ocorridas no mundo, sejam elas decorridas de câncer, Aids, acidentes de trânsito, doenças respiratórias etc, todas elas juntas não superam o poder mortífero das enfermidades cardiovasculares. Nos últimos dez anos, 30% da população mundial morreu abatida pelas DCVs, que crescem junto com as cidades em estresse e pressão alta. Soma-se a isso, obesidade, colesterol alto, tabagismo e excesso de sal, os sete principais fatores de risco dos atestados de óbito. A proporção para o Brasil é quase a mesma. Um terço dos brasileiros desenvolve os mesmos riscos, informou o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o baiano Jadelson Andrade. Segundo ele, a tarefa de reduzir os implacáveis índices passa por um processo de conscientização. No Brasil, a entidade faz um projeto de educação em escolas de São Paulo [Programa Nacional de Prevenção Cardiovascular], que deve chegar à Bahia no próximo ano. Em entrevista ao Bahia Notícias, o médico ainda falou sobre a batalha contra o sal - que passa pela aprovação de projetos, entre eles o que obriga empresas a informar o teor de sódio em alimentos -, e comentou a recente pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) que associa trânsito eficiente a benefícios para a saúde pública. “Hoje, em uma capital como Salvador, que tem um trânsito terrível, você vive um sedentarismo obrigatório”, declarou.

Fotos: Marcela Gelinski / Bahia Notícias
Bahia Notícias: O senhor é presidente de uma das três entidades de cardiologia mais influentes do mundo. Qual é o retrato das doenças cardiovasculares em escala global?
Jadelson Andrade: Hoje, as doenças do coração são as que mais matam no mundo inteiro neste início de século. Nos últimos dez anos, das 50 milhões de causas de mortes, 30% se deram por doenças do coração. Isto é um terço de todas as causas de morte. 
BN: O que os países têm feito para combater esses índices?
JA: Nos países onde isso ocorria com mais prevalência foram desenvolvidos programas para entender porque as pessoas morriam tanto do coração e foram identificados os fatores que levaram a isso. Existe um número grande de fatores, mas sete destes fatores foram identificados como os que estão diretamente ligados às 17 milhões de mortes de doenças do coração. E quais são eles? Tabagismo, colesterol alto, pressão arterial elevada, sedentarismo, obesidade e excesso de consumo de sal. Foi feito um estudo nos cinco continentes, em 52 países com população de pessoas que tiveram infarto acima de 100 mil, para saber quais fatores incidiam na vida dessas pessoas. O resultado apontou que 90% dessas pessoas tinham cinco desses sete fatores. Então, hoje nós sabemos quais são os fatores e as causas que levam às doenças. 
BN: E no Brasil, qual é a realidade e o que tem sido feito pela SBC em termos efetivos?
JA: Hoje, um terço dos brasileiros morre por doenças do coração em relação às outras causas. Se você juntar câncer, Aids, acidentes de trânsito, doenças respiratórias, todas as causas não comunicáveis, as doenças do coração matam mais do que elas todas juntas. No Brasil, foram identificados os mesmos fatores que determinam as mortes por doenças cardiovasculares. A partir da realidade brasileira, nós criamos o Programa Nacional de Prevenção Cardiovascular
BN: Em que consiste esse programa?
JA: Esse programa tem vários braços que estão sendo implementados no país. Um desses braços é chamado de “SBC Vai à Escola” que pressupõe criar nas crianças e adolescentes a cultura da importância dos fatores de ricos. Porque é de nosso entendimento que, as crianças e adolescentes têm que entender que sedentarismo, obesidade, excesso de sal na pipoca, pressão arterial - que não é um problema só de adulto, mas de criança também, sobretudo a criança obesa - e colesterol elevado levam às doenças cardiovasculares no futuro. Ou seja, se elas souberem tudo isso, vão evitar esses elementos, vão se exercitar mais, vão evitar o sal, o hambúrguer, o x-burguer, a coca-cola, etc. Esse programa está sendo implementado pelo governo do estado de São Paulo, e o governador estabeleceu um decreto-lei onde nós treinamos instrutores, professores e diretores de escola e ensinamos a eles a importância desses fatores de risco.
BN: O senhor acredita que as escolas têm contribuído para uma consciência dos riscos das doenças cardiovasculares?
JA: Na nossa avaliação, elas só contribuem e contribuirão se os professores, diretores, instrutores de ensino, professores de educação física, pessoal da alimentação estiverem conscientizados. Esse foi nosso primeiro trabalho. E cumprimos esta etapa em 128 escolas públicas de São Paulo com um universo de cinco mil alunos. Além da informação que os professores e instrutores de ensino estão passando, os diretores, conscientizados por nós e pelas secretarias de saúde e educação do estado de São Paulo, mudaram também a alimentação das cantinas das escolas. No projeto “SBC Vai à Escola” tem o “Alimentação Saudável” que prevê a disponibilidade nas cantinas das escolas alimentos saudáveis.
BN: Recentemente foi aprovado no Senado um projeto de lei que proíbe que cantinas de escolas públicas e privadas do ensino fundamental vendam alimentos gordurosos e com alto teor de sódio. Essa lei pega?
JA: Nada disso vai funcionar se as pessoas que vão aplicar a lei não estiverem conscientizadas. Não adianta um decreto. Por isso, a importância desse trabalho que nós fazemos. Você pode botar uma lei que proíba as pessoas de jogar papel no chão. Se não tiver ninguém para cobrar, não vai para lugar nenhum. 
BN: Mas o senhor falou de São Paulo e Rio de Janeiro. Esse projeto deve chegar na Bahia quando?
JA: Nós vamos marcar uma entrevista com o secretário de Saúde do Estado e o governador, como fizemos em São Paulo e no Rio de Janeiro, para implementar o programa na Bahia. Acho que em dezembro essa agenda deve estar definida, até porque em dezembro vai ocorrer o Congresso Brasileiro de Prevenção Cardiovascular que envolve tudo isso. 
BN: O senhor queria falar de outro ponto do programa?
JA: Então, o outro braço do programa é a redução de sal nos alimentos. Nós, junto com o Ministério da Saúde, queremos que a indústria de alimentos reduza o teor de sal e informe a população quando o alimento contém um teor de sal acima do recomendado.
BN: Essa é uma briga boa. O lobby das empresas é forte?
JA: É forte, mas já conseguimos algumas ações consistentes.
BN: O senhor poderia citar quais foram elas?
JA: Já houve uma série de modificações de alimentos onde o teor de sal foi reduzido. Isso já foi alcançado e é um trabalho onde tem de ter a presença do governo para poder ir forçando às empresas de alimentos a cumprir as recomendações. Nós entramos com um projeto na Câmara Federal para que possa ser evitado nos restaurantes o sal à mesa. Porque o sal na mesa estimula o indivíduo a aumentar o teor de sal no prato.
BN: Agora, como conciliar medidas preventivas e educativas e ao mesmo tempo não policiar ou constranger as pessoas que querem ter seu direito de comer qualquer coisa assegurado. Falo isso porque já existe na Câmara de Salvador um projeto que tenta estabelecer a “Segunda sem Carne”. 

JA: Olha, tudo é uma questão de cultura. Então, a cultura ocidental pressupõe o uso excessivo de sal e açúcar. Essa não é uma realidade na cultura oriental. Quanto mais as pessoas se acostumam a botar gordura e sal nos alimentos, isso passa a aumentar sua necessidade. O individuo que tem pressão alta ele tem uma atração pelo sal. Ele recebe a salada no restaurante, mas ele é compulsivo a colocar sal nos alimentos. O problema não é o sal, mas o excesso dele. A pessoa pode consumir cinco gramas de sal que é uma quantidade que dá para temperar bem qualquer alimento. Só que a média de consumo é de 12 gramas da população brasileira. E a redução de 12 para cinco diminui em um milhão as pessoas com hipertensão e de Acidente Vascular Cerebral (AVC).
BN: É possível regredir o consumo do sal, significativamente, em pessoas que já tem o hábito há muito tempo?
JA: Eu tenho pacientes, por exemplo, que já não toleram o consumo de sal. Não que eles rejeitam, mas se tiver qualquer excesso de sal nos alimentos, eles já não toleram. E o maleficio do sal, sobretudo para quem tem hipertensão, é importante. Porque se você reduz o sal, você controla melhor a pressão arterial, você diminui o número de remédios, você reduz peso, porque o sal retém líquido e aumenta o peso do indivíduo.
BN: As redes fast-food como McDonald, Bob's, Burguer King, Habib's, etc, têm um papel significativo no sentido de piorar esses índices de risco das doenças cardiovasculares?
JA: As fast-foods têm um papel muito ruim no determinismo da obesidade, do aumento colesterol e de suas consequências. E aí, da obesidade vem o diabetes, e do colesterol vem o infarto e o derrame [AVC]. Por quê? Porque esses alimentos são ricos em gorduras saturadas, gorduras trans. Eles têm que cozinhar rápido em óleo em altas temperaturas e o alimento absorve. O hambúrguer, o cheeseburguer estão nesta condição e ainda mais quando vêm com aqueles condimentos. E normalmente o indivíduo associa isso a refrigerantes de alto teor calórico. Então, a associação de alimento rico em gordura com bebida de alto teor calórico cria um mau hábito alimentar. Certamente a disseminação das redes fast-foods no mundo foram responsáveis por esse elevado índice de mortalidade por doenças cardiovasculares.
BN: Até essas redes ditas mais saudáveis estariam também nesta lista, como Subway, por exemplo?
JA: A questão é você conseguir produzir o alimento saudável e fazer com que as pessoas optem por eles. As propagandas não são para os alimentos saudáveis. Você vai ver as propagandas e elas são para o grande hamburgão, para o grande X-burgão, para o refrigerante. E aí vem o carboidrato, porque você come o pão, que é carboidrato e que cria obesidade, um alimento rico em gordura, e ainda toma um refrigerante hipercalórico. Então, junta tudo isso e cria um hábito alimentar extremamente nocivo, principalmente para a população que gosta mais disso que são as crianças, adolescentes e a população jovem. Daí, o aumento cada vez maior de infarto e de doenças cardiovasculares em indivíduos mais jovens.

BN:Também foi divulgado há pouco tempo pela OMS que um trânsito eficiente contribui para a qualidade de vida das pessoas, o que reduz problemas de saúde pública como sedentarismo, estresse e obesidade. O senhor vê esses reflexos aqui em Salvador? 


JA: É uma realidade brasileira. Mas o que está ligado entre trânsito e doenças do coração? O indivíduo no trânsito sofre três situações muito ruins. A primeira é o estresse. Ele começa a se irritar e a liberar uma quantidade de adrenalina muito grande porque ele está irritado, ele está preso, ele tem necessidade, ele precisa chegar em casa ou no trabalho, etc. Aquilo começa a criar uma ansiedade, uma expectativa - e não é uma expectativa de minutos -, é de horas. Isso cria uma irritação e essa irritação libera hormônios, entre eles, a adrenalina que aumenta a pressão arterial, aumenta os batimentos cardíacos e cria uma sobrecarga circulatória muito grande. E assim quem não tem pressão alta, passa a ter, quem tem hipertensão, piora seu estado. O outro fator negativo é que milhares de carros liberam gás carbônico. E mesmo com ar-condicionado, o carro não filtra tudo para evitar que você respire o gás carbônico. E as cidades com grande contingente de poluição contribuem para o aumento do infarto, entre doenças respiratórias e circulatórias. E agora tem outro fator. Nas cidades com trânsito intenso, as pessoas têm levado alimentos como pipoca, refrigerante, hambúrguer, alimentos em rico em sal e gorduras porque ficam presos no trânsito. E por último tem o sedentarismo. O indivíduo passa três, quatro horas, sentado dentro de um automóvel. Hoje uma grande capital como Salvador, que tem um trânsito terrível, o tempo que você passa dentro de um carro é muito maior do que você passa se movimentando. Então, você vive um sedentarismo obrigatório.
BN: Então, a chegada do atrasado metrô de Salvador aliviaria também os riscos de doenças cardiovasculares entre os soteropolitanos?
JA: Muito.

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