Se juntar todas as causas de mortes ocorridas no
mundo, sejam elas decorridas de câncer, Aids, acidentes de trânsito, doenças
respiratórias etc, todas elas juntas não superam o poder mortífero das
enfermidades cardiovasculares. Nos últimos dez anos, 30% da população mundial
morreu abatida pelas DCVs, que crescem junto com as cidades em estresse e
pressão alta. Soma-se a isso, obesidade, colesterol alto, tabagismo e excesso de
sal, os sete principais fatores de risco dos atestados de óbito. A proporção
para o Brasil é quase a mesma. Um terço dos brasileiros desenvolve os mesmos
riscos, informou o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, o baiano
Jadelson Andrade. Segundo ele, a tarefa de reduzir os implacáveis índices passa
por um processo de conscientização. No Brasil, a entidade faz um projeto de
educação em escolas de São Paulo [Programa Nacional de Prevenção
Cardiovascular], que deve chegar à Bahia no próximo ano. Em entrevista ao Bahia
Notícias, o médico ainda falou sobre a batalha contra o sal - que passa pela
aprovação de projetos, entre eles o que obriga empresas a informar o teor de
sódio em alimentos -, e comentou a recente pesquisa da Organização Mundial de
Saúde (OMS) que associa trânsito eficiente a benefícios para a saúde pública.
“Hoje, em uma capital como Salvador, que tem um trânsito terrível, você vive um
sedentarismo obrigatório”, declarou.
Fotos: Marcela Gelinski / Bahia Notícias
Bahia Notícias: O senhor é presidente de uma das
três entidades de cardiologia mais influentes do mundo. Qual é o retrato das
doenças cardiovasculares em escala global?
Jadelson Andrade: Hoje, as doenças do
coração são as que mais matam no mundo inteiro neste início de século. Nos
últimos dez anos, das 50 milhões de causas de mortes, 30% se deram por doenças
do coração. Isto é um terço de todas as causas de morte.
BN: O que os países têm feito para combater esses
índices?
JA: Nos países onde isso ocorria com mais
prevalência foram desenvolvidos programas para entender porque as pessoas
morriam tanto do coração e foram identificados os fatores que levaram a isso.
Existe um número grande de fatores, mas sete destes fatores foram identificados
como os que estão diretamente ligados às 17 milhões de mortes de doenças do
coração. E quais são eles? Tabagismo, colesterol alto, pressão arterial elevada,
sedentarismo, obesidade e excesso de consumo de sal. Foi feito um estudo nos
cinco continentes, em 52 países com população de pessoas que tiveram infarto
acima de 100 mil, para saber quais fatores incidiam na vida dessas pessoas. O
resultado apontou que 90% dessas pessoas tinham cinco desses sete fatores.
Então, hoje nós sabemos quais são os fatores e as causas que levam às
doenças.
BN: E no Brasil, qual é a
realidade e o que tem sido feito pela SBC em termos efetivos?
JA: Hoje, um terço dos brasileiros morre
por doenças do coração em relação às outras causas. Se você juntar câncer, Aids,
acidentes de trânsito, doenças respiratórias, todas as causas não comunicáveis,
as doenças do coração matam mais do que elas todas juntas. No Brasil, foram
identificados os mesmos fatores que determinam as mortes por doenças
cardiovasculares. A partir da realidade brasileira, nós criamos o Programa
Nacional de Prevenção Cardiovascular.
BN: Em que consiste esse
programa?
JA: Esse programa tem vários braços que
estão sendo implementados no país. Um desses braços é chamado de “SBC Vai à
Escola” que pressupõe criar nas crianças e adolescentes a cultura da importância
dos fatores de ricos. Porque é de nosso entendimento que, as crianças e
adolescentes têm que entender que sedentarismo, obesidade, excesso de sal na
pipoca, pressão arterial - que não é um problema só de adulto, mas de criança
também, sobretudo a criança obesa - e colesterol elevado levam às doenças
cardiovasculares no futuro. Ou seja, se elas souberem tudo isso, vão evitar
esses elementos, vão se exercitar mais, vão evitar o sal, o hambúrguer, o
x-burguer, a coca-cola, etc. Esse programa está sendo implementado pelo governo
do estado de São Paulo, e o governador estabeleceu um decreto-lei onde nós
treinamos instrutores, professores e diretores de escola e ensinamos a eles a
importância desses fatores de risco.
BN: O senhor acredita que as escolas têm
contribuído para uma consciência dos riscos das doenças
cardiovasculares?
JA: Na nossa avaliação, elas só contribuem
e contribuirão se os professores, diretores, instrutores de ensino, professores
de educação física, pessoal da alimentação estiverem conscientizados. Esse foi
nosso primeiro trabalho. E cumprimos esta etapa em 128 escolas públicas de São
Paulo com um universo de cinco mil alunos. Além da informação que os professores
e instrutores de ensino estão passando, os diretores, conscientizados por nós e
pelas secretarias de saúde e educação do estado de São Paulo, mudaram também a
alimentação das cantinas das escolas. No projeto “SBC Vai à Escola” tem o
“Alimentação Saudável” que prevê a disponibilidade nas cantinas das escolas
alimentos saudáveis.
BN: Recentemente foi aprovado no Senado um projeto
de lei que proíbe que cantinas de escolas públicas e privadas do ensino
fundamental vendam alimentos gordurosos e com alto teor de sódio. Essa lei
pega?
JA: Nada disso vai funcionar se as pessoas
que vão aplicar a lei não estiverem conscientizadas. Não adianta um decreto. Por
isso, a importância desse trabalho que nós fazemos. Você pode botar uma lei que
proíba as pessoas de jogar papel no chão. Se não tiver ninguém para cobrar, não
vai para lugar nenhum.
BN: Mas o senhor falou de São Paulo e Rio de
Janeiro. Esse projeto deve chegar na Bahia quando?
JA: Nós vamos marcar uma entrevista com o
secretário de Saúde do Estado e o governador, como fizemos em São Paulo e no Rio
de Janeiro, para implementar o programa na Bahia. Acho que em dezembro essa
agenda deve estar definida, até porque em dezembro vai ocorrer o Congresso
Brasileiro de Prevenção Cardiovascular que envolve tudo isso.
BN: O senhor queria falar de outro ponto do
programa?
JA: Então, o outro braço do programa é a
redução de sal nos alimentos. Nós, junto com o Ministério da Saúde, queremos que
a indústria de alimentos reduza o teor de sal e informe a população quando o
alimento contém um teor de sal acima do recomendado.
BN: Essa é uma briga boa. O lobby das empresas é
forte?
JA: É forte, mas já conseguimos algumas
ações consistentes.
BN: O senhor poderia citar quais foram
elas?
JA: Já houve uma série de modificações de
alimentos onde o teor de sal foi reduzido. Isso já foi alcançado e é um trabalho
onde tem de ter a presença do governo para poder ir forçando às empresas de
alimentos a cumprir as recomendações. Nós entramos com um projeto na Câmara
Federal para que possa ser evitado nos restaurantes o sal à mesa. Porque o sal
na mesa estimula o indivíduo a aumentar o teor de sal no prato.
BN: Agora, como conciliar medidas preventivas e
educativas e ao mesmo tempo não policiar ou constranger as pessoas que querem
ter seu direito de comer qualquer coisa assegurado. Falo isso porque já existe
na Câmara de Salvador um projeto que tenta estabelecer a “Segunda sem
Carne”.
JA: Olha, tudo é uma questão de cultura.
Então, a cultura ocidental pressupõe o uso excessivo de sal e açúcar. Essa não é
uma realidade na cultura oriental. Quanto mais as pessoas se acostumam a botar
gordura e sal nos alimentos, isso passa a aumentar sua necessidade. O individuo
que tem pressão alta ele tem uma atração pelo sal. Ele recebe a salada no
restaurante, mas ele é compulsivo a colocar sal nos alimentos. O problema não é
o sal, mas o excesso dele. A pessoa pode consumir cinco gramas de sal que é uma
quantidade que dá para temperar bem qualquer alimento. Só que a média de consumo
é de 12 gramas da população brasileira. E a redução de 12 para cinco diminui em
um milhão as pessoas com hipertensão e de Acidente Vascular Cerebral
(AVC).
BN: É possível regredir o consumo do sal,
significativamente, em pessoas que já tem o hábito há muito
tempo?
JA: Eu tenho pacientes, por exemplo, que
já não toleram o consumo de sal. Não que eles rejeitam, mas se tiver qualquer
excesso de sal nos alimentos, eles já não toleram. E o maleficio do sal,
sobretudo para quem tem hipertensão, é importante. Porque se você reduz o sal,
você controla melhor a pressão arterial, você diminui o número de remédios, você
reduz peso, porque o sal retém líquido e aumenta o peso do indivíduo.
BN: As redes fast-food como McDonald, Bob's,
Burguer King, Habib's, etc, têm um papel significativo no sentido de piorar
esses índices de risco das doenças cardiovasculares?
JA: As fast-foods têm um papel muito ruim
no determinismo da obesidade, do aumento colesterol e de suas consequências. E
aí, da obesidade vem o diabetes, e do colesterol vem o infarto e o derrame
[AVC]. Por quê? Porque esses alimentos são ricos em gorduras saturadas, gorduras
trans. Eles têm que cozinhar rápido em óleo em altas temperaturas e o alimento
absorve. O hambúrguer, o cheeseburguer estão nesta condição e ainda mais quando
vêm com aqueles condimentos. E normalmente o indivíduo associa isso a
refrigerantes de alto teor calórico. Então, a associação de alimento rico em
gordura com bebida de alto teor calórico cria um mau hábito alimentar.
Certamente a disseminação das redes fast-foods no mundo foram responsáveis por
esse elevado índice de mortalidade por doenças cardiovasculares.
BN: Até essas redes ditas mais saudáveis estariam
também nesta lista, como Subway, por exemplo?
JA: A questão é você conseguir produzir o
alimento saudável e fazer com que as pessoas optem por eles. As propagandas não
são para os alimentos saudáveis. Você vai ver as propagandas e elas são para o
grande hamburgão, para o grande X-burgão, para o refrigerante. E aí vem o
carboidrato, porque você come o pão, que é carboidrato e que cria obesidade, um
alimento rico em gordura, e ainda toma um refrigerante hipercalórico. Então,
junta tudo isso e cria um hábito alimentar extremamente nocivo, principalmente
para a população que gosta mais disso que são as crianças, adolescentes e a
população jovem. Daí, o aumento cada vez maior de infarto e de doenças
cardiovasculares em indivíduos mais jovens.
BN:Também foi divulgado há pouco tempo pela OMS que um trânsito eficiente contribui para a qualidade de vida das pessoas, o que reduz problemas de saúde pública como sedentarismo, estresse e obesidade. O senhor vê esses reflexos aqui em Salvador?
JA: É uma realidade brasileira. Mas o que
está ligado entre trânsito e doenças do coração? O indivíduo no trânsito sofre
três situações muito ruins. A primeira é o estresse. Ele começa a se irritar e a
liberar uma quantidade de adrenalina muito grande porque ele está irritado, ele
está preso, ele tem necessidade, ele precisa chegar em casa ou no trabalho, etc.
Aquilo começa a criar uma ansiedade, uma expectativa - e não é uma expectativa
de minutos -, é de horas. Isso cria uma irritação e essa irritação libera
hormônios, entre eles, a adrenalina que aumenta a pressão arterial, aumenta os
batimentos cardíacos e cria uma sobrecarga circulatória muito grande. E assim
quem não tem pressão alta, passa a ter, quem tem hipertensão, piora seu estado.
O outro fator negativo é que milhares de carros liberam gás carbônico. E mesmo
com ar-condicionado, o carro não filtra tudo para evitar que você respire o gás
carbônico. E as cidades com grande contingente de poluição contribuem para o
aumento do infarto, entre doenças respiratórias e circulatórias. E agora tem
outro fator. Nas cidades com trânsito intenso, as pessoas têm levado alimentos
como pipoca, refrigerante, hambúrguer, alimentos em rico em sal e gorduras
porque ficam presos no trânsito. E por último tem o sedentarismo. O indivíduo
passa três, quatro horas, sentado dentro de um automóvel. Hoje uma grande
capital como Salvador, que tem um trânsito terrível, o tempo que você passa
dentro de um carro é muito maior do que você passa se movimentando. Então, você
vive um sedentarismo obrigatório.
BN: Então, a chegada do atrasado
metrô de Salvador aliviaria também os riscos de doenças cardiovasculares entre
os soteropolitanos?
JA: Muito.
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