A Bahia é rica em tipos inesquecíveis que enchem a história, a cultura e o dia a dia desta terra de personagens originais. Entre esses maravilhosos baianos idiossincráticos, emergiu nos últimos tempos um tipo especial: o baiano paradoxal. Sua especialidade é criticar o estado de coisas, mas, paradoxalmente, ele também critica qualquer solução que lhe seja apresentada para resolver esse mesmo estado de coisas. O baiano paradoxal reclama, indignado, dos buracos que existem na cidade, mas ao se deparar com um grande engarrafamento motivado por uma operação tapa-buracos, sua indignação torna-se ainda maior, e ele então pragueja contra a Prefeitura, como se fosse possível fazer omelete sem quebrar os ovos. O baiano paradoxal critica acidamente o abandono da cidade, mas, paradoxalmente, se a Prefeitura aumenta o IPTU – única forma de viabilizar recursos para resgatar a cidade do abandono – ele se indigna mais ainda e trata de pontuar que é contra qualquer tipo de imposto. Ele quer o melhor dos mundos: ter uma cidade linda e funcionando, sem precisar pagar impostos. O baiano paradoxal é quase sempre avesso às mudanças. Assim, reclama ferozmente do ferry boat, mas se alguém propõe a construção da ponte Salvador-Itaparica como forma de resolver o problema, aí sua crítica se torna mais feroz ainda, e ele desanca qualquer possibilidade de uma ponte na velha baía. E não adianta dizer que se houvesse viabilidade econômica – o que parece difícil – seria bom ter a ponte Salvador-Itaparica embelezando a Baía de Todos os Santos e resolvendo não só o problema da travessia, como também abrindo oportunidades de negócios e vias de escoamento, pois ele quer o melhor dos mundos: uma ilha bucólica sem atividade econômica, com uma baía intocável, mas que tenha um sistema de transporte de primeiro mundo. O baiano paradoxal crítica acerbamente a orla de Salvador e não aceita que ela seja uma orla deserta e perigosa comparando-a sempre com a beleza e organização da orla de Recife ou Fortaleza. Mas quando alguém propõe uma ocupação racional dessa orla e a construção de hotéis, restaurantes e apartamentos residenciais para assim dar vida e movimento ao local ele fica indignado e começa a bradar contra qualquer tipo de verticalização ou intervenção urbana na beira do Atlântico. E não adianta dizer que é possível promover uma ocupação racional e sustentável da orla, estabelecendo um gabarito adequado, impedindo o sombreamento, exigindo o espaçamento entre as construções e outros itens, como se faz em todas as partes do mundo, pois o baiano paradoxal, embora viva sob a égide do capitalismo quer, desesperadamente, preservar a cidade dele. O baiano paradoxal é radicalmente contra os pedágios, pois para ele cabe ao Estado arcar com os custos de manutenção de vias e estradas. E não adianta dizer que – desde que haja uma via alternativa não pedagiada – pedágio é uma forma democrática de construir e manter nova vias, pois só paga por elas quem efetivamente as utiliza. Aliás, não razão para que o baiano contribuinte que vive no semiárido ou no Oeste da Bahia pague por uma estrada que ele não usa, especialmente quando serve aos turistas e veranistas. Mas, antes que o baiano paradoxal lembre-me o desastre que foi a Via Bahia, vale ressaltar que rodovias pedagiadas são concessões do estado e se, por um motivo ou outro não funcionam, a solução é simples: toma-se a concessão de volta. O baiano paradoxal também sofre da síndrome do ótimo que impede o bom, ou seja, ele sempre tem uma ideia melhor do que a que está sendo implementada. Assim, em vez do metrô, seria melhor o aeromóvel ou o BRT, em vez de derrubar os horrendos barracões do Porto de Salvador seria melhor integrá-los à paisagem, em de projetos como os que estão sendo construídos na Barra, no Imbuí ou na Paralela, melhor seria o que melhor seria. Em resumo: o ótimo é tão bom que não sai do papel e transforma-se em inércia. É verdade que, do mesmo jeito que existe o baiano paradoxal, existe também o empresário predador, que quer avançar sobre a cidade sem qualquer parâmetro ou visão social e que deve ser contido pelo poder público Quem deve nos salvar tanto do empresário predador, quanto do baiano paradoxal e dos que reagem à mudança é o planejamento de longo prazo – inexplicavelmente banido das terras baianas – que indica o melhor custo/benefício e dá uma rasteira nos palpites e que, felizmente, voltou, ao que aprece, a ser prioridade em Salvador,
Outro dia cheguei à conclusão de que se a construção do Elevador Lacerda fosse proposta nos dias de hoje, sofreria críticas ferozes e não seria construído. O baiano paradoxal diria que a cidade precisa da mobilidade vertical, mas que o monstrengo conspurcaria o frontispício de Salvador, lembraria também que a grama da encosta tem de ser preservada e que muito mais interessante seria implantar um sistema de escadas superpostas. E assim, Salvador não teria o Elevador Lacerda, o símbolo da cidade que, tanto quanto a sua maravilhosa baía, a identifica pelo mundo afora. O pior é que o baiano paradoxal está em toda à parte, entre os intelectuais e técnicos, na academia e fora dela, e ele não é apenas um conservador, alguém que não gosta de mexer nas coisas que já existem. O baiano paradoxal é, como dizia Hannah Arendt, aquele radical revolucionário que torna-se conservador no dia seguinte à revolução.
Armando Avena
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