Empreendimento começará a montagem de seis navios-sonda encomendados pela Sete Brasil, em um contrato de US$ 4,8 bi
Victor Longo
Importantes entrepostos comerciais entre
Salvador e o interior do estado até o século passado, municípios do Recôncavo
baiano como Maragojipe, Cachoeira e São Félix agora se preparam para viver uma
nova fase, após décadas renegados ao esquecimento: o ciclo da indústria naval. A
economia da região já sente os impactos positivos com a construção do Estaleiro
Enseada do Paraguaçu (EEP) no distrito de São Roque, localizado em
Maragojipe.
O estaleiro, que fabricará navios petroleiros
e de guerra e fará a manutenção de equipamentos navais, já começará a produzir
no início do ano que vem, somando um investimento total de R$ 2,6 bilhões.
Atualmente, em sua fase de construção, o empreendimento já gera 2,5 mil
empregos. Até fevereiro, esse número mais que dobrará, chegando a 6 mil. Na fase
de produção plena, a partir de 2015, 4 mil empregos fixos serão
gerados.
O estaleiro tem sido visto por empresários e
pelo poder público como o principal vetor para transformar a região em um novo
polo de desenvolvimento industrial. No entanto, vários desafios, como a melhoria
da infraestrutura e a qualificação profissional da população local, precisam ser
alcançados.
“Por sua magnitude, esse empreendimento
coloca essa região em posição de destaque e também põe a Bahia à frente do
processo de retomada da indústria naval no país”, considera o vice-presidente da
Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Reinaldo Sampaio.
O empresário acredita na chegada de novas
indústrias aos municípios próximos. “O estaleiro deve influenciar a chegada de
indústrias de navipeças (peças para navios), a indústria metal-mecânica, de
componentes elétricos e o setor da Tecnologia da Informação, por exemplo”,
prevê.
O presidente da Federação das Câmaras de
Dirigentes Lojistas da Bahia (FCDL), Antoine Tawil, acredita que o estaleiro
também tem o potencial para movimentar o comércio local. “Nessa primeira etapa
de construção, o estaleiro vai demandar de tudo, desde gêneros alimentícios a
itens de vestuário e produtos de higiene pessoal”, enumera.
“Para isso, o comércio local tem o desafio de
se estruturar, desenvolver-se e aumentar sua capacidade de abastecimento. Serão
milhares de novas pessoas na região demandando esses produtos”, diz.
Para Tawil, a segunda etapa trará novos
desafios. “Quando o estaleiro começar a produzir e com a instalação da mão de
obra mais especializada, haverá grande necessidade de profissionais liberais:
cabeleireiro, dentistas, advogados”, prevê.
Segundo ele, Maragojipe, que possuía 42.815
habitantes no censo de 2010, poderá até dobrar de população. Segundo a
prefeitura do município, a arrecadação com impostos também deverá dobrar no
médio prazo, dos atuais R$ 5 milhões para R$ 10 milhões.
Qualificação - A chegada do estaleiro também é vista como uma retomada da
cadeia da indústria naval já existente no local. No entanto, para que
empresários e, especialmente, a população local colham bons frutos com a chegada
do estaleiro, vários desafios precisam ser superados. “A formação de pessoal é
um desafio muito grande que temos pela frente”, admitiu o diretor de Relações
Institucionais e Sustentabilidade do EEP, Humberto Rangel.
Como contrapartida de concessões fiscais
concedidas pelo governo estadual e pela prefeitura de Maragojipe, o estaleiro
deve empregar moradores da cidade em pelo menos 40% da mão de obra.
Hoje, na fase da construção civil, esse
número já foi superado: proximadamente 60% dos 2,5 mil funcionários do estaleiro
são de Maragojipe e região. Mas a maior preocupação está na fase de produção,
que exige mão de obra mais especializada.
O período de produção final só se consolidará
em 2015, mas já terá início em janeiro de 2014 – quando as obras de construção
ainda estarão em curso, mas uma parte do empreendimento começará a montagem de
seis navios-sonda encomendados pela empresa Sete Brasil, em um contrato de US$
4,8 bilhões.
Há temor de que os esforços do estaleiro, da
prefeitura e da Fieb para capacitar os moradores locais não sejam suficientes
para garantir que a contrapartida de empregar mão de obra local seja cumprida.
“As primeiras duas turmas estão sendo formadas, mas ainda não temos um espaço
físico próprio para essa capacitação”, disse o secretário de Governo de
Maragojipe, Gilberto Sampaio.
Se não tivermos gente suficiente capacitada
para trabalhar no estaleiro, não poderemos obrigá-los a contratar as pessoas
daqui”, lembra. Segundo o secretário, hoje um grupo de 60 pessoas está sendo
formada no município, algo bem longe da meta para a fase de operação.
“Calculamos que temos que formar 1.600. Mas isso vai depender de adaptar o
espaço da nossa escola profissionalizante”, diz.
A gerente de Pessoas e Organizações do
estaleiro, Márcia Lapa, considera a qualificação dos trabalhadores o “principal
desafio” da empresa. Hoje, o estaleiro já possui um programa interno, chamado
Acreditar, para captar novos talentos e ajudá-los a conseguir um emprego no
empreendimento.
Nova vida - Após seis anos desempregada, a soldadora Antônia Cristina, 33,
participou do programa e garantiu uma vaga nas obras do EEP. “Entrei aqui no dia
18 de janeiro como soldadora. Com o salário, de R$ 1.770, comecei a construir
minha casa, um sonho de muito tempo”, contou. “Agora, já vou começar a construir
o segundo andar”. Ela pretende continuar estudando e se qualificando para
garantir um futuro próspero. “Conhecimento ninguém tira da gente, não é?”, diz,
sorrindo.
Para o professor de História da Universidade
Federal do Recôncavo Baiano Walter Fraga, a chegada do estaleiro pode voltar a
movimentar a economia de municípios como Cachoeira e São Félix, mas é preciso
planejamento para evitar que essas cidades virem apenas a periferia de
Maragojipe. “A circulação de riquezas apenas não é suficiente. Um projeto
concreto que inclua as populações locais nesse processo é o grande desafio”,
diz.
Infraestrutura é
desafio - Outra questão vista como essencial
por empresários é a melhoria do acesso rodoviário ao estaleiro. Hoje, a BA-534,
uma estreita via que liga a BA-001 às obras, está completamente esburacada e os
congestionamentos de caminhões são frequentes. A estrada, que passa por
municípios próximos ao empreendimento, como Salinas da Margarida, é de passagem
obrigatória para quem sai da zona urbana de Maragojipe no sentido do
estaleiro.
O governo do estado já iniciou as obras para
melhorar a via, mas o empresariado teme que a pista muito sinuosa e estreita não
seja suficiente para suprir as demandas do estaleiro. Ainda estão previstos o
alargamento e a pavimentação asfáltica dos últimos 5,4 quilômetros da pista. Uma
ponte sobre o Rio Baetantã, que liga São Roque a Salinas da Margarida, também
será finalizada até outubro de 2014.
Enquanto isso, os empresários do estaleiro
têm preferido apostar no transporte aquaviário para os trabalhadores. Mesmo
assim, somente a integração entre os diferentes modais é vista como uma solução
definitiva para o acesso precário à região.
Dessas melhorias depende, por exemplo, o
transporte de alimentos produzidos na região, como raízes, carne de fumeiro e
frutas cítricas.
Fonte: Correio da Bahia
Nenhum comentário:
Postar um comentário