sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Regressão anunciada (9)




Não há mais discussão sobre golpe ou não golpe: ele se consumou. E não há discussão sobre a narrativa porque até os principais comandantes da operação golpista não esconderam seus objetivos, não douraram a pílula. Disseram antes que precisavam tirar a presidenta da República do cargo, e ponto final. Não se tratava de ter ou não cometido crime. O Ministério Público disse não ter havido, a subprocuradora geral da República, Ella Wiecko, confirmou, tantos juristas de nomeada garantiram que estavam condenando uma inocente, sem falar nas inúmeras personalidades, intelectuais, artistas, assim como a imprensa internacional, que nunca se conformaram com o golpe de 31 do mês que passou - e o mês parece escolhido a dedo, pelo simbolismo das tragédias de agosto, a maior delas, largamente lembrada, o suicídio de Getúlio, que abortou um golpe. Este não vem mais pelas rodas dentadas dos tanques. Casamatas variadas se movimentam para torná-lo real, e Paraguai e Honduras estavam aí para nos ensinar. Não havíamos aprendido.
O que se trata agora, para todos, é saber a que veio esse golpe. E no pouco tempo de interinidade do novo presidente, que chega ao cargo sem um único voto, a cabeça de uma inocente oferecida de bandeja, nesse pouco tempo demonstrou-se que se tratava de adequar o país aos interesses do grande capital nacional e internacional, e não do capital produtivo, mas o vinculado às finanças. Um poder que rende homenagens ao rentismo. Que não tem quaisquer pruridos em entregar as joias da coroa da economia brasileira, o pré-sal e a Petrobras, às multinacionais do petróleo. E um governo cuja chave-mestra do chamado equilíbrio das contas públicas serão a retirada acelerada de direitos, duramente conquistados nesses últimos anos, ou, se o quisermos, direitos adquiridos pela luta desde o final da década de 40 do século passado. Honrar, isso vai honrar a qualquer preço, o pagamento dos juros da dívida, que esses são sagrados.
Bastou, e recorro a Laymert Garcia dos Santos, doutor em Ciências da Informação pela Universidade de Paris VII, professor aposentado da Unicamp, bastou surgir os dois governos de Lula e os da Dilma, a partir de 2003, quando se inicia uma democratização que chega também ao social, para que as elites dissessem não. Essas elites admitem um simulacro de democracia - aquela que sirva apenas e tão somente a elas. Quando uma parcela substancial da população, os pobres do Brasil, entra na cena social, passa a ter alguns direitos, as elites ficam à beira de um ataque de nervos, e se puderem puxam o freio de mão e dão um jeito de voltar para a Colônia, e outra vez recorro ao professor Laymert Garcia dos Santos, para quem o desejo de regressão manifestado por essas elites não é apenas voltar à era pré-Lula. Saudade da casa-grande, desejo incontido de dominação dos pobres, exercício de mando. E, também, submissão à metrópole, e a política externa, nos primeiros ensaios do então governo interino, é uma evidência disso.
Talvez a síntese da orientação do governo seja a que está expressa na Proposta de Emenda à Constituição para limitar a expansão das despesas orçamentárias, a PEC 241. Ela desconstitui o modelo de cidadania nascido em 1988. Sufoca qualquer possibilidade de o Estado agir em favor de um modelo de desenvolvimento com distribuição de renda. Os limites de despesa serão os do ano anterior, corrigidos pelo IPCA, do IBGE. Direitos sociais básicos estão condenados pelos próximos cinco mandatos presidenciais alcançados pela proposta. O golpe pensou quem pagaria a conta, excluiu o andar de cima. Promove a liquidação do futuro. O núcleo da política econômica temerista é um plano de negócios perfeito para afundar o país, como diz o jornalista Carlos Drummond, em frase fulminante.
Emiliano  José
Jornalista e escritor - A Tarde edição de 09/09/2016

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