sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Repasse de verbas renova o ânimo do setor de transportes

Veículo: Valor Econômico
Caderno: Economia
Data: 17/12/2010

Grande volume de obras provoca falta de mão de obra e de matéria-prima na construção civil
Repasse de verbas renova o ânimo do setor de transporte
André Borges

Nos últimos quatro anos, o adormecido setor de logística do país foi reanimado com a injeção de R$ 65,4 bilhões em investimentos no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que corresponde a 14,5% do total que foi repassado pelo programa, envolvendo recursos da União, Estados, municípios e iniciativa privada, incluindo financiamentos de bancos públicos e privados. Deu resultado. O volume de obras em andamento, ainda que insuficiente para a demanda atual do país, tem testado os limites da construção civil e, em muitas áreas, há falta de mão de obra e matéria-prima.
A fotografia dos transportes, no entanto, quando observada em partes, revela um cenário preocupante. O setor aéreo, de longe, é o que carrega os maiores problemas da logística nacional. Enquanto os gastos do PAC destinados a rodovias atingiram R$ 42,9 bilhões entre 2007 e 2010, os aeroportos foram alvo de tímidos R$ 281,9 milhões. Pesa sobre a aviação não apenas o baixo investimento alocado ao setor, mas a ineficiência com que as ações são conduzidas por meio da Infraero.
O descaso com a aviação levou a diretoria da Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata), que representa mais de 200 companhias, a usar palavras como "desastre" e "vergonha" para se referir ao estado atual da infraestrutura do setor aéreo no Brasil. A preocupação se concentra na proximidade da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. Segundo relatório da consultoria McKinsey, 13 dos 20 aeroportos brasileiros mais movimentados têm graves estrangulamentos. No aeroporto de Cumbica, em São Paulo, principal hub (ponto de distribuição de voos) internacional da América Latina, até as obras de terminais temporários estão atrasadas e o terceiro terminal, prometido há quase uma década, não saiu do papel.
Os estudos apontam que, para atender a demanda, até 2014 o Brasil terá de investir R$ 8,4 bilhões em seus 20 maiores aeroportos. Os preparativos para a Copa preveem investimento de R$ 5,6 bilhões até lá, com a maior parte concentrada nos anos de 2012 e 2013.
Para mudar a situação, o governo acena com duas ações. Está nos planos do Planalto a criação do ministério de portos e aeroportos, aglutinando a atual Secretaria Especial de Portos e a área de infraestrutura aeroportuária, hoje a cargo do Ministério da Defesa. A mudança inclui a futura abertura de capital da Infraero, estatal que administra os 64 aeroportos federais, com o propósito de profissionalizar sua administração. Essa abertura de capital, no entanto, como o próprio governo admite, pode levar dois anos para ocorrer. No curto prazo, uma ação de maior eficácia poderá ser a concessão de aeroportos para a iniciativa privada, acelerando as obras e a entrada de investimento privado.
A eficiência do setor aéreo, seja para transporte de pessoas ou de carga, está diretamente ligada à sua integração com o setor ferroviário, condição que hoje praticamente inexiste no país. Abandonado por décadas, o setor ferroviário vive uma fase de retomada. Nos últimos três anos, o governo turbinou as operações da estatal Valec, que vai operar 9 mil km de trilhos em fase de construção no país. Foram R$ 3,4 bilhões aplicados na construção de 909 km de malha até o fim deste ano. Sob sua tutela está a construção e concessão de malhas como a ferrovia Norte-Sul, projeto que foi dado como morto. Nos próximos dois anos, a Valec soma investimentos superiores a R$ 17 bilhões. É gasto pesado se comparado a tudo que a União injetou no setor desde a sua privatização, 14 anos atrás - pouco mais de US$ 1,14 bilhão.
O momento atual, no entanto, é marcado pela apreensão dos concessionários das ferrovias, que aguardam a publicação do novo marco regulatório do setor. Hoje, 12 concessionárias operam 28,5 mil km de malha no país, rede que foi adquirida da estatal RFFSA, extinta em 1996. De lá para cá, as empresas investiram R$ 22 bilhões no setor. No mesmo período, o número de locomotivas saltou de 1.154 para 2.876 máquinas e a quantidade de vagões subiu de 43,8 mil para 93 mil unidades.
Neste ano, estima-se que as concessionárias vão injetar mais R$ 2,86 bilhões nas operações. Parte desse recurso será usada na modernização da infraestrutura, mas pesa na conta a manutenção da malha, porque 80% das vias atuais têm mais de um século de vida.
A preocupação dos empresários se concentra no grau de intervenção que o poder público poderá ter sobre as concessões. Além do plano de oferecer as malhas em construção para múltiplos usuários, o governo analisa a possibilidade de fazer uso do trecho ferroviário que atualmente pertence às concessionárias, mas que não seja explorado comercialmente. Pelos cálculos da Valec, há mais de 16 mil km de malha nessa situação.
Seja por meio de dinheiro público ou de empresas, o fato é que a malha atual é insuficiente. Os especialistas estimam que seriam necessários 52 mil km de malha para suprir as necessidades atuais. A limitação dos trens está refletida no desequilíbrio da matriz de transporte. Hoje, o modal ferroviário responde por apenas 25% do transporte de carga do país, enquanto as estradas ficam com 58% do volume. Nos Estados Unidos, as ferrovias têm participação de 43% no transporte de cargas. Sua utilização também é forte na China (37%), Austrália (43%), Canadá (46%) e Rússia (81%).
No longo prazo, o governo trabalha com a meta de fazer com que, nos próximos 15 anos, as ferrovias passem a ser, finalmente, o principal meio de transporte de carga do país, respondendo por 35% da movimentação, ante 30% das rodovias. Esse reequilíbrio entre os modais, no entanto, não significa esvaziar os investimentos feitos atualmente nas estradas do país. Embora o volume de obras de manutenção, recuperação, duplicação e construção tenha aumentado consideravelmente nos últimos anos, as estradas do país ainda têm um longo caminho pela frente para se tornarem adequadas.
Os recursos aplicados no setor rodoviário passaram de R$ 1,1 bilhão, em 1999, para R$ 26,5 bilhões, em 2008, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Os estudos da Confederação Nacional do Transporte (CNT) sinalizam, porém, que há necessidade de recursos da ordem de R$ 160 bilhões. O Ipea calcula R$ 183,5 bilhões em investimentos, enquanto a Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib) estima R$ 12,6 bilhões por ano na próxima década.
Longe de atingir o plano ideal de investimentos, as prioridades do governo devem se orientar para a solução de problemas mais pontuais, como a capacitação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), órgão do Ministério dos Transportes que administra as obras de manutenção e recuperação de estradas. Criado em 2001, o DNIT tinha 4,9 mil funcionários para cuidar de obras cujo orçamento total atingia R$ 2,5 bilhões. Hoje, seu orçamento anual ultrapassa R$ 10 bilhões, mas o órgão só conta com 2,7 mil funcionários e faltam engenheiros no quadro.
Segundo o DNIT, o atual programa de recuperação e manutenção da malha rodoviária federal atinge 56 mil km de pistas, dos quais 32 mil km estão em plena execução. Neste momento, o DNIT executa no país 1.080 contratos de obras, volume que soma um total de investimentos de R$ 41 bilhões.
Assim como ocorre nos setores aéreo, ferroviário e portuário, as rodovias também são alvo de mudanças em seu marco regulatório. Está em gestação no governo mudanças para o transporte rodoviário, que entrará em vigor em 2011. O incentivo a novas concessões também está na pauta. Atualmente, há 53 empresas privadas que administram 15 mil km de estradas, o que corresponde a 7% da malha rodoviária nacional pavimentada, mas o governo avalia que há espaço para ampliar as concessões.
Apesar dos problemas crônicos que afetam todos os modais de transporte, o cenário futuro é estimulante. O PAC 2 prevê mais R$ 104,5 bilhões em investimento na infraestrutura de transportes. A década que se inicia, dizem os especialistas, será a década da logística. A conferir.











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