sábado, 23 de fevereiro de 2013

Entrevista



OTAVIANO CANUTO - VICE PRESIDENTE DO BANCO MUNDIAL

Bahia Econômica

P: O Brasil corre hoje o risco de ficar preso numa armadilha de baixo crescimento?

Otaviano Canuto: Acho que ele é baixo hoje, mas o Brasil corre esse risco se não avançar no ritmo necessário para a educação de qualidade. O país tem de fazer a transição para um sistema que premie o desempenho dos professores e em que os estudantes tenham melhores resultados em exames como o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos, organizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Além disso, precisa recuperar a capacidade de investir em infraestrutura, a tradicional – transportes, energia – e a avançada, de telecomunicações. Esse atraso, aliás, pode ser visto como problema e oportunidade. Se as deficiências de infraestrutura forem enfrentadas, o efeito em aumento de produtividade e redução dos gargalos será tamanho que abrirá oportunidade de o país continuar crescendo substancialmente. No caso da infraestrutura, quanto mais o Brasil perseguir a criação de campeões nacionais nessas áreas, maior é o risco de deixar para trás o usufruto e o potencial produtivo do acesso às novas tecnologias para todos os outros. Vimos isso na época da reserva de informática. O país pagou um preço. Ela não gerou os campeões nacionais e deixou os usuários atrasados. O custo para os usuários tem de ser levado em conta o tempo todo.



P: Mas o país foi bem-sucedido ao passar de economia de baixa renda para média renda. Por que o processo não continuaria?

O.C: Aí é que está: isso não é um processo contínuo. É o que se conclui da observação dos países na história recente que fizeram a transição para a renda alta. Não são muitos. Pelas definições do Banco Mundial, quando você olha de 1960 para cá, apenas 13 territórios, entre 101 considerados com renda média naquela época, conseguiram passar para o patamar mais alto. Entre esses, há sete casos que servem mesmo como referência: Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Israel e Ilhas Maurício, além de Hong Kong e Taiwan, que no Banco Mundial tratamos como parte da China.



P: Por que os outros seis casos não servem de exemplo?

O.C: Não são casos ilustrativos. Um é o da Guiné Equatorial – um país na África, pequeno, com menos de 1 milhão de habitantes, extremamente bem-dotado de recursos naturais, renda muito elevada e muito mal distribuída. Outros cinco casos são muito peculiares: Porto Rico, parte dos Estados Unidos, e Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda, que se integraram ao espaço econômico europeu.



P: Como foi o primeiro salto dos países que passaram do nível de baixa renda para o de média renda?

O.C: Podemos supor que nem a metade dos 101 países de renda média em 1960 estava nessa condição 50 anos antes. Há uma história em comum entre essas economias, a América Latina e outras partes do mundo em que aconteceu, no passado, a transição de baixa renda para média renda: durante um processo de urbanização, houve um crescimento elevado por um longo período. Isso refletiu a transferência da atividade dos setores de subsistência, de baixa produtividade, de baixo valor de mercado, em geral na área rural, para atividades mais modernas, com mais capital e tecnologia. Mas isso ocorreu sem grandes novos requisitos educacionais. Não é um processo automático, mas ele aconteceu e acontece com relativo êxito. Em geral, essa mudança vem acontecendo no mundo sem necessidade de grandes saltos educacionais e na capacitação técnica do país.



P: Para essa transição, basta um treinamento básico?

O.C: É isso. São trabalhos que envolvem tecnologias já disponíveis, não tão sofisticadas. É a história do Brasil nos anos 1950, 1960, 1970, da Coreia do Sul nos anos 1970 e 1980, do Japão antes disso. Não há nenhum caso que eu conheça, dessa mudança de baixa renda para média renda, que não possa ser razoavelmente descrito por essa história. Como todo estereótipo, exige ajustes aqui e acolá. Na América Latina, o processo ocorreu no pós-guerra e a partir do mercado doméstico. Na Ásia, foi num momento mais recente, e usou o mercado externo como alavanca para aumentar a velocidade do processo. E lá houve muito mais ênfase na educação do que em nosso continente. A transição para a média renda foi muito mais sólida no caso da Ásia do que no da América Latina.



P: Como funciona o segundo salto, da média renda para a alta renda?

O.C: O que caracteriza aqueles sete casos que mencionei que servem de exemplo? Em todos eles, a partir de certo momento, foi esgotado o filão da simples transferência de gente (entre setores e do campo para a cidade). Esses países foram para outro estágio, em que a mão de obra precisa ser muito educada. Mas não basta fazer o esforço educacional se não houver um escoadouro da mão de obra para atividades de maior conteúdo tecnológico. Houve a criação local de capacidade de gestão, de organização de processos de produção, em setores com alto valor de mercado na economia mundial. A transição da média renda para a renda alta acontece quando uma parcela crescente da população é ocupada com atividades no alto da escala de sofisticação tecnológica. Elas exigem manejo de tecnologia, a adaptação, a inovação em processos e produtos. No Brasil, você tem altas capacidades tecnológicas e gerenciais, como a que você encontra na Embraer, na Petrobras, na agricultura. Mas a proporção dessas atividades não é alta o suficiente para puxar para cima a renda média do país.



P: Como uma boa infraestrutura ajuda a alavancar um país para o grupo dos países de renda alta?

O.C: A experiência dos asiáticos, de Israel e das Ilhas Maurício revela também que a infraestrutura adequada e no lugar certo é uma condição necessária para o sucesso. Refiro-me à infraestrutura básica, de transportes, energia, e a mais sofisticada, de telecomunicações, banda larga. Esse é um pilar necessário para a circulação de ideias e inovações. Em todos os países que deram o segundo salto também houve o fortalecimento dos direitos de propriedade e de auferir retornos com a introdução de inovações em produtos e processos. Esse é um ponto em que países como a China terão de adaptar seus sistemas se quiserem dar o salto no futuro. Nos casos em que houve o salto, há a percepção, por parte do investidor, de que quem introduzir inovações pode se apropriar do retorno obtido. Algumas sobrancelhas no Brasil vão se erguer com o que vou dizer, mas outro ponto que ajudou foi certa flexibilidade do mercado de trabalho. A contratação, num sistema rico em inovações, tem de ser mais flexível do que num sistema de produção em massa, porque os resultados são muito mais incertos. O fôlego da transição dependerá de haver uma estrutura física e institucional que a sustente e um ambiente amigável para a tomada de riscos.



P: Essa lógica inclui setores não tecnológicos, como entretenimento, moda e outros serviços sofisticados?

O.C: Sim. Essas atividades têm valor extremamente alto, com conteúdo “tecnológico”, num sentido mais amplo, muito alto, desenvolvido localmente.



P: Por seu estudo, dar esse segundo salto é mais difícil. Que países parecem presos hoje na armadilha do baixo crescimento?

O.C: A Argentina é um. A base educacional da população já foi muito elevada, talvez sem a proporção de ciência e engenharia que seria interessante, e o país chegou a desenvolver capacidade tecnológica em algumas áreas. Mas está patinando há décadas. A armadilha da média renda é caracterizada, normalmente, por baixo crescimento da produtividade e uma parcela relativamente baixa de profissionais de alta qualificação em atividades criativas.



P: Há países no rumo correto para continuar crescendo sem cair na armadilha?

O.C: O Chile é um excelente caso e está numa trajetória dessa natureza. O desafio dele será ter uma parcela crescente da população ocupada em atividades superiores em sofisticação na cadeia de matérias-primas. O México também vai bem. Mas ainda precisa de um regime de direito à propriedade mais condizente com a inovação, precisa quebrar a rigidez em áreas como petróleo e telecomunicações.



* Publicado originalmente na revista Época



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