segunda-feira, 4 de abril de 2011

Energia nuclear deve migrar para países emergentes


Segunda-feira, 4 de Abril de 2011



Crise de confiança na energia nuclear gerou uma rápida alta nas ações das empresas de energia eólica, solar e outras renováveis, embora no fim de março elas tivessem voltado aos níveis pré-tsunami.
Na semana passada, o presidente Barack Obama fez um discurso sobre o futuro energético prometendo usar um "recurso renovável crítico que o resto do mundo não pode igualar: a engenhosidade americana". Obama, como seus compatriotas cientistas, reivindicou um traço arquetipicamente americano (autoconfiança), ao mesmo tempo em que exibiu sinais de outro (autoilusão).
Desde o tsunami japonês que precipitou o desastre nuclear na usina de Fukushima, os países tiraram três tipos diferentes de lições. Alguns decidiram que, diante dos riscos da energia nuclear, o tipo mais poderoso de energia "limpa" é uma aposta errada.
 O Japão sente-se assim, ao menos neste momento. A desativação da geração de energia nuclear implicou desligar elevadores em prédios comerciais e letreiros de neon pelo país, e transferir jogos de beisebol da noite para o dia.
Também a Alemanha parece disposta a reagir ao risco reduzindo sua dependência da energia nuclear. No domingo retrasado, eleitores em Baden-Württemberg impuseram uma derrota à União Democrata Cristã, da premiê Angela Merkel, que governou o Estado sem interrupção desde 1953.
Eles substituíram a UDC pelos Verdes, que nasceram do movimento antinuclear dos anos 80 e que pela primeira vez comandarão um governo estadual. A UDC tentou aderir ao descontentamento pós-Fukushima, porém tarde demais e de modo pouco convincente.
Os países mais dinâmicos do mundo em desenvolvimento têm um modo diferente de encarar a questão. A China não diminuiu o passo. A África do Sul, poucos dias após incidente no Japão, anunciou que aumentará sua produção de energia nuclear. Veysel Eroglu, ministro do Ambiente na Turquia, ironizou os riscos das duas centrais nucleares em construção no país. "Se você dirige um carro, está assumindo um risco", disse ele.
Um argumento mais ponderado em defesa da continuidade desses projetos foi apresentado pelo ex-primeiro-ministro russo Sergei Kiriyenko, que hoje dirige a agência nuclear de seu país. Ele disse ter ficado impressionado com a resistência da usina de Fukushima, em operação há 40 anos. Embora espere que a energia nuclear seja, no futuro, substituída por algo mais seguro, acrescentou: "É evidente que, em termos de conhecimentos e de habilidades especializadas, o desenvolvimento dessa [futura] energia está ligado ao desenvolvimento da energia nuclear".
Obama delineou uma terceira posição. É a mais razoável, ou a mais tímida. Para tentar se reeleger, Obama precisará se submeter a um eleitorado que, repetidas vezes, reivindicou o direito à energia barata. Ele espera canalizar o ceticismo em relação à opção nuclear para a sua própria vantagem e dos EUA, tornando o país um "pioneiro" em combustíveis alternativos. "Vamos ajudar os empresários a inovar em quatro biorefinarias de próxima geração." Essas sugestões são um convite ao cinismo. Empresários podem ser dignos de subsídios governamentais. Porém, é mais provável que os americanos lhes atribuam mais "compadrio" do que "empreendedorismo".
A crise de confiança na energia nuclear gerou uma rápida alta nas ações das empresas de energia eólica, solar e outras renováveis, embora no fim de março elas tivessem voltado aos níveis pré-tsunami.
Há um perigo de complacência quando se fala de combustíveis alternativos. Em anos recentes, a mescla de energia solar e eólica tem sido um interessante suplemento energético (quando subsidiado), enquanto o sol brilha e o vento sopra. Mas o problema do armazenamento dessa energia - indispensável para que as energias renováveis substituam, em vez de complementar, outros combustíveis -, quase não foi abordado.
Além disso, as turbinas eólicas são barulhentas, matam pássaros e são feias. Parte da receita verde para reduzir a dependência alemã em relação à energia nuclear envolve a construção de mais turbinas, e maiores, e colocá-las mais próximas das cidades.
Para complicar as coisas, nos EUA grande parte dos imóveis residenciais nos EUA perderia todo seu valor se a gasolina fosse vendida a preços europeus. Obama reconheceu o fato, ao mencionar no discurso que os custos de transporte são responsáveis pela segunda maior fatia dos gastos de muitas famílias, presumivelmente após o gasto com habitação. A quase inacreditável demanda americana por petróleo - o país importa hoje cerca de 10 milhões de barris por dia - o levou a divergir do resto do Ocidente em termos de política energética. Mesmo se os EUA cortassem a produção de energia nuclear ou de petróleo em águas profundas ou de carvão, seus hábitos de consumo provavelmente o conduziriam a alguma "folie à deux" mercantil com algum exportador de energia, assim como seu apetite por bens de consumo impulsionou seu patológico comércio com a China.
A tragédia em Fukushima reforçou tendências que já vinha se manifestando. Nesse aspecto, seu efeito se assemelha ao da catástrofe de Tchernobil, em 1986, que provocou mais questionamento da energia nuclear no Ocidente do que na União Soviética. A atual incerteza em relação à energia nuclear representa a globalização do "nimbyismo" americano (referência ao acrônimo "not in my backyard" - não no meu quintal). Todo mundo quer se beneficiar da energia nuclear, mas nem todos têm o mesmo apetite para o risco.
Isso terá consequências econômicas e estratégicas. A capacidade de acessar uma grande quantidade de energia barata provavelmente migrará de países democráticos para semidemocráticos e não democráticos - não só porque esses governos são mais capazes de ignorar a oposição pública à energia nuclear, mas também porque a opinião pública tende a ser menos antagônica. Energia barata proporciona a um país um mercado mais rico e uma posição mais dominante no mundo. É improvável que um tsunami no Japão leve os cidadãos do mundo em desenvolvimento a moderar seus anseios por tais status.
Autor(es): Christopher Caldwell
Financial Times.
Valor Econômico - 04/04/2011

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