OPINIÃO
O que o governo quer realmente dos portos?
Wilen Manteli - presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP)
O país está vivendo um certo retrocesso no setor portuário. No dia 28 de janeiro, dia em que se comemorou o 203º aniversário da Abertura dos Portos, o Diário Oficial da União publicou uma portaria da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), vinculada ao Ministério do Planejamento, determinando a taxação dos terminais portuários do país pela "cessão de espaços físicos em águas públicas". Até então, as empresas titulares desses terminais, que ao adquirirem ou arrendarem as respectivas áreas já recolhem para a SPU valores referentes a "terrenos de Marinha" - laudêmio (5% do valor do imóvel e benfeitorias, no ato da transferência) e foro (0,6% anualmente) -, estão perplexas.
A referida Portaria nº 24, de discutível legalidade, cria três categorias de "estruturas náuticas" para efeito de cobrança: as de interesse público, as de interesse econômico e as de interesse particular. Ou seja, a economia foi apartada do interesse público. Os investimentos portuários passam a ser vistos como passíveis de taxação, e não como geradores de desenvolvimento. Esquece a SPU a gigantesca massa de impostos gerada pela economia produtiva - mais de R$ 1 trilhão por ano - e os milhões de postos de trabalho que ela oferece à sociedade.
Para respaldar a cobrança, a SPU fez uma viagem no tempo e um exercício de contorcionismo jurídico. Foi buscar no fundo do baú o Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, que dispõe sobre os "bens imóveis" da União, entre os quais se destacam os terrenos de Marinha, que já são taxados a título de laudêmio e foro. Deve ter sido no intuito de caracterizar como "imóvel" o objeto da nova cobrança que o órgão optou, no momento de redigir a Portaria, pela expressão "estruturas náuticas" em vez de "espelho d"água", como o vinha designando até então. É difícil, afinal, conceber algo mais móvel e fluido do que um espelho d"água... Integram as ditas estruturas náuticas "todo o espaço físico em águas públicas ou em terra, incluídos seus acessos, destinados à atracação das embarcações".
Embora a portaria estabeleça que a destinação dos recursos arrecadados será feita, "preferencialmente", para o Ministério cuja pasta responde pelo tema, todos sabemos que o cofre da União ignora rubricas. Informação mais esclarecedora sobre a destinação pode ser encontrada no website da SPU, onde consta que o órgão pretende proporcionar ao Ministério do Planejamento "condições de contribuir para amenizar os problemas sociais existentes em nosso país, preocupação constante do governo federal, influindo diretamente em questões relacionadas com a geração de emprego e renda".
Ora, é justamente fomentando atividades produtivas que o Ministério do Planejamento pode contribuir para a "geração de emprego e renda". Tal visão ainda não prevalece em certos escalões do governo, que inclusive desconsideram o efeito cascata que qualquer novo encargo imposto à atividade portuária desencadeia sobre toda a economia produtiva, e, por extensão, sobre o emprego e a renda da população. Nada menos de 90% do comércio exterior brasileiro passa pelos portos.
Mas, o desestímulo aos portos por parte do governo não para aí. Nos últimos anos vem tomando corpo um movimento de alguns órgãos públicos contra os investimentos privados no sistema portuário, que se expressa numa obstinada resistência em aplicar dispositivos da Lei dos Portos (nº 8.630, de 1993), por exemplo, recusando-se a adaptar ao novo arcabouço legal todos os contratos de arrendamento de áreas portuárias e proibindo-se os terminais portuários vinculados a indústrias de explorarem integralmente a capacidade operacional de suas custosas instalações.
A orientação deveria ser justamente oposta, no sentido de estimular as empresas que detêm terminais portuários a extraírem desses empreendimentos o máximo retorno possível em produção de riqueza, empregos e tributos.
Em 2010 o Brasil movimentou nos portos em torno de 833 milhões de toneladas, registrando um crescimento de 17% em relação a 2009, o que indica que, nos próximos dois anos, poderá estar movimentando um bilhão de toneladas. Neste momento em que o país mais precisa de um salto de qualidade em sua infraestrutura portuária, para melhorar o desempenho do comércio exterior, o governo impõe novos ônus e restrições à atividade e sinaliza na prática, ao contrário do que tem declarado, que novos investimentos nos portos não são bem-vindos.
O setor portuário está confuso. São tantos os órgãos que interferem e inflam o sistema de regras da atividade que o investidor não sabe mais a quem atender ou recorrer. Para corrigir essa distorção, bastaria que o poder público respeitasse as atribuições da Secretaria dos Portos e da Agência Nacional de Transporte Aquaviário. Compete à primeira a formulação de políticas para o setor, e à segunda a implementação dessas políticas, bem como a regulação e fiscalização das atividades portuárias.
Em vez de usar sua força para estimular os investimentos no motor do crescimento econômico que é a infraestrutura de transporte, assim promovendo o desenvolvimento econômico e social, o governo parece mais inclinado a tributar e onerar os empreendedores. É simples, afinal, impor novos gravames à atividade produtiva para financiar programas sociais. Difícil é trabalhar para dinamizar a economia e induzir o aumento da arrecadação de impostos via expansão da base de contribuintes. O problema é que a facilidade de hoje pode se converter numa grande dificuldade amanhã: o agravamento da perda de competitividade do produto brasileiro
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