sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Não basta aos cidadões eleger Dilma. É imperativo garantir-lhe a governabilidade. Ela é o Marechal Lott de Lula"


Quase feliz

Ubiratan Castro de Araújo Integrante da Academia de Letras da Bahia e diretor-geral da Fundação Pedro Calmon/SEC
ubiratancastrodearaujo@gmail.com
Dia 1 º de novembro, de madrugada, a TV anunciou a vitória de Dilma Rousseff. Mergulhei em um estado feliz dos meus 12 anos. Como eu era or­gulhoso de ser brasileiro. Ainda me lembro do 29 de junho de 1958, Dia de São Pedro. Estava no Pero Vaz, com minha mãe, em visita a uns primos. Na casa vizinha, um rádio berrava o narrador da Rádio Tupi, em ondas curtas. Ouvia-se muito a algazarra dos ouvintes, entre meada pelos gritos lon­gos e gargarejados de gol: gol do Brasil! Os foguetes de flecha rasgavam o ar. Os balões subiram. A maioria verde-amarela, e alguns coloridos carregando uma bandeira brasi­leira que tremulava pendurada na cestinha. Chegando em casa, encontrei meu pai co­lado no rádio. Nunca vi o velho tão feliz. Militar reformado, kardecista praticante, não fumava nem bebia, mas parecia estar cheio de Ron Merino, bêbado de alegria. Exclamava: não ganhamos no Maracanã (1950), mas fomos ganhar na Suécia.
Para os meninos como eu, era um orgulho encostar em um FNM, aquele mastodonte que povoava a Rio-Bahia, com a reverência de quem tocava em uma locomotiva da Leste. Era um caminhão brasileiro. Festejávamos os estridentes DKW-Vemag, as Vemaguetes, as Rural-Willis e os espetaculares Fuscas. Era a indústria nacional. Juca Chaves debochava do presidente JK, o presidente Bossa Nova! Jovial, bon vivant, namorador, viciado em avião, construía a mais moderna e bonita capital do mundo. Talvez por isso, associava o presi­dente e sua política à bossa-nova de João Gilberto e de Elizete Cardoso. Esses eram anos dourados.
Na política, JK era um democrata. Levava com pouco fogo a golpista UDN, o virulento Carlos Lacerda, e os amotinados da Aero­náutica. Seu trunfo era o ministro da Guer­ra, o general Henrique Teixeira Lott. No meu entendimento de crianca, não entendi a derrota da chapa Lott/Jango. Lott repre­sentava a garantia da ordem democrática e Jango trazia o apoio dos trabalhistas às reformas. O povo não quis assim. Elegeu a chapa Jan/Jan. Um desastre. Só depois tive resposta em uma música do meu ministro Gil: o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe! Todos nos lembramos do filme triste. O Brasil desceu a ladeira até o golpe de 64.
Aos 62 anos, igualmente feliz. não tenho mais o direito à inocência. A vitória de Dilma traz também apreensões. Fiquei as­sustado com a virulência da campanha mo­vida nas estradas não policiadas da inter­net.

Saídos dos porões da ditadura, os tor­turadores vieram a público acusar a tor­turada de assassina. Saiu do baú um an­ticomunismo do tempo da guerra fria. Fa­lou-se até em uma virtual Ursal, União das Repúblicas Socialistas da América Latina, formada pelo Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Argentina e Cuba. Fundamenta­listas católicos e pentecostais ressuscitaram ° padre Peyton e a marcha da família pela propriedade. Até o papa, chefe de um outro Estado, o Vaticano, deu declaracões contra o aborto, na antevéspera da eleição.

Tudo isso em proveito da candidatura de um ex-presidente da UNE, exilado pela dita­dura, ex-militante da Ação Popular, que por ambição eleitoral aceitou estes apoios, e ainda apregoa ser o paladino da ética.

Por tudo isso, não posso dizer que estou sim­plesmente feliz. Estou quase feliz.
Não basta aos cidadãos eleger Dilma. É imperativo garantir-lhe a governabílidade. Ela é o marechal Lott de Lula. Ao mesmo tempo em que deve ampliar e aprofundar o processo de desenvolvimento econômico, com distribuição de renda e com inclusão social, deve igualmente usar de toda a au­toridade (e não de autoritarismo) para as­segurar as liberdades individuais, a esta­bilidade econômica, o Estado de Direito e a ordem pública. Ela deverá ser suficiente­mente forte para governar segundo o man­dato que recebeu das urnas, sem se abalar com as intrigas dos udenistas de sempre, com o sensacionalismo de uma imprensa conservadora, nem com a maledicência da internet, Tampouco deverá atrelar o seu governo aos gritos radicais das ruas e dos campos. Será preciso pulso firme para re­sistir às provocações e às tentações, pelo bem do Brasil.

Que o Misericordioso Senhor do Bonfim dê vida, saúde e coragem para a nossa presidente.

Que assim seja, axé!

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