domingo, 30 de junho de 2013

Coluna A Tarde: Nunca aconteceu tanto medo



O Congresso Nacional demonstrou, de forma inequívoca, que não faz porque não quer, que não trabalha porque não é da índole da instituição. Ao sentir a pressão das manifestações, com direção difusa, mas, especialmente em sua direção, o Congresso fez o que parecia inimaginável. Em tempo recorde resolveu pendências que estavam nas duas Casas de há muito, e enfrentou a polêmica dos royalties do pré-sal, atendendo, em parte, ordem que veio do Palácio do Planalto, mas não tanto com pretendia a presidente Dilma: decidiu que 75% dos recursos oriundos do petróleo irão para educação e 25% para a saúde. A presidente queria 100% para a educação. Nem os estados produtores, onde se encontra o petróleo do pré-sal, nem os que nada tinham disseram palavra. Acataram em forma de silêncio total.

O Supremo Tribunal Federal agiu rapidamente e acabou a chicana dos processos protelatórios do deputando Natan Donadon, condenado por peculato e formação de quadrilha. Vai pegar 13 anos de prisão. O STF emitiu mandato de prisão,e ele se entregou nesta sexta, enquanto a Câmara, que após a condenação dos mensalairos, alardeou que o STF não iria se imiscuir nas suas atribuições, nem os parlamentares condenados teriam seus mandatos cassados, silenciou. Não só. Avisou às ruas que o deputado seria preso mesmo dentro da Câmara, pela polícia do legislativo e entregue à Polícia Federal. Menos mal. Abriu-se uma janela para que os demais mensaleiros sejam punidos o mais rápido possível, com prisões, se for o caso, porque o Supremo não aceitará novos recursos para procrastinar a prisão deles. Presume-se. No Senado – e quem diria - o presidente da Casa, senador Renan Calheiros, aprontou rapidamente uma lista própria, pessoal, para apresentar à Casa, de sorte a contentar os manifestantes. E, estranho, votou rapidamente um dos itens, já requerido pela presidente Dilma Rousseff, de transformar os casos de corrupção em crime hediondo. Ora, logo Renan que ocupara a presidência do Senado e dela saiu pelas portas do fundo por estar sob a suspeita de ser um corrupto? Que transformação... Se fosse antes, ele próprio faria como o personagem da novela “O Alienista”, de Machado de Assis, e determinaria, ele próprio, a sua prisão por cometer crime hediondo. Isso significa acentuar que a essência do político não mudou. Calheiros é um exemplo por ele mesmo denunciado. Dança conforme a música.

Os manifestantes ainda estão nas ruas, mas, pouco a pouco, e de forma célere, tal o medo que ronda esta República tropical, os itens constantes das reivindicações pouco a pouco estão sendo acatados. Derrubaram o valor das tarifas dos transportes coletivos, a PEC 37 caiu com 430 votos a nove, um resultado com poucas vezes foi observado na Câmara do Deputados. Dilma prometeu R$50 bilhões (e ainda é pouco) para dotar as principais capitais de transporte coletivo de qualidade, como metrôs, BRTs e vias exclusivas para que a população possa se deslocar com rapidez e conforto nos novos veículos. Ainda não se chegou a uma fórmula sobre a forma de realizar uma ampla reforma política, que há mais de dez anos rola no Congresso sem que os parlamentares nela tocassem, para não comprometer os seus interesses. Não se sabe, ainda, como fazê-la, se por referendo, plebiscito, Projeto de Emenda Constitucional (PEC); quais os itens que serão reformados; como renovar os partidos políticos que hoje são todos farinha do mesmo saco.

Balança a proposta de Dilma Rousseff de trazer do exterior médicos para atender à população em municípios distantes. Isso gerou protestos também dos médicos e enfermeiros, que reclamam da qualidade dos médicos importados. Certamente serão de Cuba, como muitas vezes se tentou trazer, porque na Ilha tem mais médicos do que motoristas. Boa parte está na Áf rica. Um número imenso trabalha na Venezuela, importado por Hugo Chávez. Trabalha-se, de outro modo, em busca de fórmulas para segurar a gastança pública, melhorar a burocracia dos serviços, punindo os funcionários que não atenderem bem às necessidades da população; reduzir funcionários comissionados; enfim, reduzir os gastos. O Brasil trabalha como nunca. No Palácio do Planalto, a presidente Dilma realiza reuniões sobre reuniões; as Casas congressuais têm andado cheias de parlamentares numa semana em que costumam estar às moscas em consequência dos festejos juninos no Nordeste, que acabam por contaminar a preguiça dos parlamentares de outras regiões.

O medo das ruas é total. Os políticos esqueceram-se da soberba e baixaram a cabeça direcionando-a ao trabalho, deixando ao lado as polêmicas cotidianas sobre projetos, com a única intenção de empurrá-lo com a barriga até trancá-lo, ao final, numa gaveta empoeirada. Os Poderes da República, enfim, estão em xeque. Bendito xeque que só poderia  vir das ruas numa explosão de cidadania que chama a atenção do mundo, principalmente porque aqui não se trata de questões ideológicas e, sim, de democracia mesmo.  

*Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde deste domingo (30).

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