Emiliano José
Jornalista e escritor
Publicado em A Tarde
Imaginávamos até havia pouco tempo não sermos mais
importunados pelo espectro do FMI. Mas, sobreveio o golpe. Este, como declarou
alto e bom som o presidente alçado ao poder, dado para cumprir o programa
apresentado à presidente Dilma por ele, denominado, não se sabe se com alguma
dose de ironia, de ponte para o futuro.
Embora seja gigantesca volta ao passado, uma regressão cujas
consequências estão à vista. As vítimas, inegavelmente os vinculados ao mundo
do trabalho. Preservados, nessa ponte, os interesses rentistas, em torno dos
quais gira o atual poder politico.
O FMI, sem meios-termos, voltou a falar grosso. O comunicado
do fundo, emitido quinta-feira passada, na primeira visita oficial ao Brasil
depois do atentado à democracia concluído no final de agosto, determinou o fim do
mais importante instrumento de combate à pobreza adotado nos governos Lula e
Dilma, a politica de valorização do salário mínimo.
Entre 2003 e 2015, anotem isso, o aumento real do salário
mínimo foi de 76%. Isso alterou o padrão de consumo e foi inegavelmente o
principal fator para a redução da pobreza registrada pelo Brasil, segundo o
testemunho insuspeito da ONU.
Lula, no inicio de seu segundo mandato, promoveu um acordo
com as centrais sindicais, consagrado na sequencia pelo Congresso Nacional.
O salário mínimo passava a ser reajustado anualmente com base
na variação do Produto interno Bruto (PIB) do ano retrasado, somado
à inflação acumulada do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (INPC)
O FMI exige mais: quer ver quebrada a vinculação das
aposentadorias e pensões do INSS ao salário mínimo, e isso afetará a vida de
aproximadamente 25 milhões de pessoas e suas famílias. Se tais exigências forem
aceitas, representarão um desmonte social de proporções calamitosas e tudo
indica são do agrado do atual governo, cujas declarações iam já nessa direção
antes de a mão pesada do FMI descer vigorosamente sobre a mesa nessa visita ao
Brasil. A jornalista Tereza Cruvinel detalha tudo isso no B247 do último
sábado.
Curioso, mas explicável pelo menos dois jornais do último
sábado, em editoriais, faziam eco às recomendações do FMI, Valor e O Globo.
Noticiavam a exigência, por parte do fundo de um aperto
fiscal mais rigoroso, lembravam a
reivindicação da redução das barreiras tarifárias e não tarifárias para
facilitar a vida do capital estrangeiro, abertura completa da economia, receituário
conhecido.
E os dois órgãos de comunicação defendiam, na esteira da
exigência do FMI, a incapacidade de o Tesouro suportar o peso das pensões de
outros benefícios se indexados ao
salário mínimo.
Assim como o FMI, querem
a politica de fixação de teto para as despesas públicas estendidas a Estados e
municípios. E lançam a responsabilidade de tudo sobre a Constituição de 1988, desastrosa
no campo dos benefícios sociais na avaliação de O Globo.
Ao propor mais e mais arrocho, o FMI argumenta ser limitada a
adoção da politica do teto para as despesas públicas, cujas consequências, como
se sabe, serão dramáticas para as principais politicas públicas. Levará muito
tempo para provocar a estabilização da dívida e do déficit público. Por isso quer
mais austeridade – a palavra conhecida dos europeus, onde o desemprego se
espalhou, a crise não foi debelada e o capital financeiro foi preservado.
O neoliberalismo, em estado, puro, mostra novamente a sua
cara, e foi em nome dele e descarte de 54 milhões de votos e a retirada de cena
de uma mulher reconhecidamente honesta, a quem nem seus adversários foram
capazes, porque impossível, de acusar de qualquer ilícito, qualquer desonestidade,
salvo o que chamaram pedaladas.
Não se avalia como a população vai reagir a esse desmonte das
politicas públicas. Que vai, vai.
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