Crise árabe vai exportar inflação para o mundo
Javier Blas
Financial Times
Por décadas, a política agrícola da região do Oriente Médio e Norte da África foi extremamente simples: as exportações de hidrocarbonetos custeiam as importações de carboidratos.
À medida que a agitação social e política varre a região, essa política tem duas implicações para os mercados de commodities: os países tentarão de tudo para manter elevados os preços do petróleo e acumularão estoques de alimentos, o que empurrará para cima os preços dos produtos agrícolas.
Esse intercâmbio - fornecer ao mundo petróleo e gás em troca de cereais - é claro num país como a Líbia, que é um dos maiores importadores per capita de trigo no mundo. E é também claro na Argélia e na Arábia Saudita.
Não surpreende que, ao definir um nome para seu programa de ajuda ao Iraque, suspendendo parcialmente um embargo após a Guerra do Golfo (1990-91), a ONU tenha optado por Petróleo por Comida.
O Oriente Médio e o Norte da África têm pouca terra cultivável e ainda menos água. Por isso a região se tornou, nos últimos 40 anos, o maior importador mundial de alimentos, especialmente cereais.
O Egito é o maior comprador mundial de trigo; a Arábia Saudita é a principal importadora de cevada.
E a região é também a principal importadora de açúcar.
É improvável que sua dependência da importação de alimentos mude em prazo previsível.
A riqueza da região, baseada em hidrocarbonetos, gerada a partir da primeira crise do petróleo (em 1973-74) e a falta de responsabilização política levaram a região a soluções insustentáveis para solucionar seu problema alimentar.
A Arábia Saudita iniciou um programa para cultivar trigo no deserto, acessando aquíferos.
Com dinheiro abundante e nenhuma hesitação quanto a esgotar recursos hídricos, Riad conseguiu uma vitória inicial.
O reino estava não apenas cultivando trigo suficiente para se alimentar como também para colher um excedente destinado à exportação para toda a região.
Mas o sucesso veio com um preço muito alto:
Riad pagou preços cinco vezes acima dos níveis internacionais. E, por fim, a água acabou. Dois anos atrás, durante a crise alimentar de 2007-08, Riad anunciou o fim de seu programa de cultivo de trigo.
Desde então, o reino se tornou um dos maiores importadores de trigo no mundo.
Com população jovem em crescimento, nos próximos dez anos a necessidade de importação de alimentos só tenderá a crescer na Arábia Saudita e na região.
Seus governos parecem concordar: os países estão acumulando estoques estratégicos ou até mesmo criando suas próprias corretoras de produtos agrícolas. O menor sinal de alguma insatisfação social - especialmente se acompanhada de inflação no preço dos alimentos - é enfrentado, em pânico, com um esforço de compras no mercado internacional de alimentos, em tentativas de inundar osmercados locais com suprimentos e baixar os preços no mercado doméstico.
Todos esses fatores contribuem para manter elevados os preços das commodities agrícolas em todo o mundo.
O alimentos estão mais caros na região, e os subsídios, também maiores, e por isso a região tem todo incentivo para manter elevados os preços do petróleo.
O Oriente Médio e o Norte da África estão vivendo uma crise política que para o resto do mundo constitui-se em ameaça inflacionária.
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