sábado, 26 de fevereiro de 2011

ANÁLISE


Crise árabe vai exportar inflação para o mundo

Javier Blas
Financial Times

Por décadas, a política agrícola da região do Oriente Médio e Norte da África foi extremamente simples: as exportações de hidrocarbonetos custeiam as importações de carboidratos.

À medida que a agitação social e política varre a região, essa política tem duas implicações para os mercados de commodities: os países tentarão de tudo para manter elevados os preços do petróleo e acumularão estoques de alimentos, o que empurrará para cima os preços dos produtos agrícolas.

Esse intercâmbio - fornecer ao mundo petróleo e gás em troca de cereais - é claro num país como a Líbia, que é um dos maiores importadores per capita de trigo no mundo. E é também claro na Argélia e na Arábia Saudita.

 Não surpreende que, ao definir um nome para seu programa de ajuda ao Iraque, suspendendo parcialmente um embargo após a Guerra do Golfo (1990-91), a ONU tenha optado por Petróleo por Comida.

O Oriente Médio e o Norte da África têm pouca terra cultivável e ainda menos água. Por isso a região se tornou, nos últimos 40 anos, o maior importador mundial de alimentos, especialmente cereais.

O Egito é o maior comprador mundial de trigo; a Arábia Saudita é a principal importadora de cevada.

 E a região é também a principal importadora de açúcar.

É improvável que sua dependência da importação de alimentos mude em prazo previsível.

A riqueza da região, baseada em hidrocarbonetos, gerada a partir da primeira crise do petróleo (em 1973-74) e a falta de responsabilização política levaram a região a soluções insustentáveis para solucionar seu problema alimentar.

A Arábia Saudita iniciou um programa para cultivar trigo no deserto, acessando aquíferos.

Com dinheiro abundante e nenhuma hesitação quanto a esgotar recursos hídricos, Riad conseguiu uma vitória inicial.

O reino estava não apenas cultivando trigo suficiente para se alimentar como também para colher um excedente destinado à exportação para toda a região.

Mas o sucesso veio com um preço muito alto:

Riad pagou preços cinco vezes acima dos níveis internacionais. E, por fim, a água acabou. Dois anos atrás, durante a crise alimentar de 2007-08, Riad anunciou o fim de seu programa de cultivo de trigo.

Desde então, o reino se tornou um dos maiores importadores de trigo no mundo.

Com população jovem em crescimento, nos próximos dez anos a necessidade de importação de alimentos só tenderá a crescer na Arábia Saudita e na região.

Seus governos parecem concordar: os países estão acumulando estoques estratégicos ou até mesmo criando suas próprias corretoras de produtos agrícolas. O menor sinal de alguma insatisfação social - especialmente se acompanhada de inflação no preço dos alimentos - é enfrentado, em pânico, com um esforço de compras no mercado internacional de alimentos, em tentativas de inundar osmercados locais com suprimentos e baixar os preços no mercado doméstico.

Todos esses fatores contribuem para manter elevados os preços das commodities agrícolas em todo o mundo.

O alimentos estão mais caros na região, e os subsídios, também maiores, e por isso a região tem todo incentivo para manter elevados os preços do petróleo.

O Oriente Médio e o Norte da África estão vivendo uma crise política que para o resto do mundo constitui-se em ameaça inflacionária.

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