Sem alarde, o governo federal deu início aos estudos de um complexo reequilíbrio econômico-financeiro para as atuais concessionárias de ferrovias, que irão abrir mão de trechos de malha que hoje administram em favor do novo modelo anunciado pelo Planalto no Programa de Investimentos em Logística - lançado há 15 dias. Em alguns casos, a compensação pode gerar cifras bilionárias.Os trechos em questão são hoje operados pelas concessionárias América Latina Logística (ALL), MRS Logística, Vale, Ferrovia Centro-Atlântica (FCA, controlada pela Vale) e Transnordestina (da Cia. Siderúrgica Nacional, a CSN).O plano do governo é retomar os trechos dessas empresas para, então, relicitá-los sob um mecanismo diferente, em que o governo compra do vencedor do leilão toda a capacidade de transporte da malha (depois de ela receber as melhorias necessárias) e a revende a diferentes operadoras logísticas. O objetivo do governo, com isso, é acelerar investimentos ao mesmo tempo em que acaba com o monopólio de uma empresa sob determinado trecho e aumenta a concorrência nesse modal de transporte.Se em algumas situações o plano do governo é interessante para as atuais empresas, em outras ele pode ser danoso. O caso mais delicado é o da MRS Logística, que perderá o controle sobre seu acesso ao Porto de Santos - principal porta de entrada e saída de cargas no país e considerado o "filé mignon" da malha ferroviária do Estado de São Paulo.Nesse trecho, além do fluxo e potencial de aumento de carga, a MRS perderia uma receita líquida da ordem de R$ 60 milhões por ano apenas com venda de direitos de passagem, no caso a ALL, na região da Baixada Santista.Como contrapartida pela retomada do trecho, que foi incluído no projeto, o governo pode oferecer uma indenização. "Seria [uma indenização] de alguns bilhões", diz outra fonte ligada às concessionárias. Segundo o Valor apurou, o governo pretende aplicar o novo modelo de investimentos e exploração para todo o trecho desde Jundiaí até Santos, incluindo o tramo norte do Ferroanel.No entanto, fontes dizem que o governo ainda não definiu como fará o reequilíbrio do contrato. Nos resultados de 2011, a MRS anunciou que, só de produtos agrícolas, foram transportados 18,8 milhões de toneladas de açúcar, milho, soja e farelo no acesso a Santos. Na mesma região, a MRS está tirando do papel uma série de investimentos para o incremento da capacidade da ferrovia e para a instalação de uma rede de terminais de contêineres ao longo da malha. A empresa não fala sobre o assunto. "Se eu fosse ele [o presidente da MRS], não cobrava barato [pela indenização]", afirma uma fonte do setor.Na maior parte dos casos, no entanto, a retomada será um alívio para as concessionárias. Ela vão se livrar da obrigação de investimentos. Trilhos e dormentes deteriorados serão substituídos pela nova empresa responsável. Mesmo assim, o governo está oferecendo compensações econômicas por retomar o trecho antes do fim da concessão: 2026/2027.Nas palavras de outra fonte ligada às concessionárias, o acordo será um "negocião" para as empresas que deveriam ter investido na malha e agora se livrarão dessa obrigação sem desembolso de caixa - e ainda podem continuar usando a ferrovia. O caso mais chamativo é o trecho entre Recife e Salvador, parte da Transnordestina Logística e parte da FCA, que tem baixíssimo transporte de cargas e precisa de elevados investimentos. Nesse caso, está sendo oferecido uma parte da futura capacidade total de carga no trecho retomado. Ou seja, a concessionária perderá o monopólio de exploração, mas continua tendo o direito de uso parcial.As empresas defendem a compensação elaborada pelo governo dizendo que, embora se livrem dos custos para a modernização, por outro lado perderiam a chance de receitas ao longo do prazo restante do contrato. As concessionárias evitam comentar o assunto. "A Transnordestina Logística S/A vai analisar o novo modelo proposto pelo governo federal", diz nota enviada pela assessoria de imprensa. Procurada, a FCA também informou que não iria se pronunciar.Outro trecho em operação em que o governo quer mais investimentos é o que liga São Paulo a Porto Alegre (Rio Grande do Sul), hoje sob a administração da ALL. Na semana passada, o superintendente-financeiro e de relações com investidores da empresa, Alexandre Rubio, disse à imprensa, após reunião com analistas e investidores, que havia a possibilidade de se "pensar" em devolução do trecho desde que o governo pagasse o capital já empregado no trecho. A empresa informou que não há "nenhuma discussão entre ALL e o Governo sobre a devolução de nenhum trecho das concessões da empresa".A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que somente o Ministério dos Transportes - que está conduzindo o Programa - pode comentar o assunto. Mas o ministério não respondeu às solicitações de esclarecimentos até o fechamento desta edição. Na semana passada, o ministro Paulo Passos disse que a retomada não trará impacto financeiro para as empresas. No entanto, não deu detalhes sobre quais os termos dessas negociações.No setor, a avaliação é que a ação do governo pode configurar quebra de contrato das atuais concessões. Por outro lado, as concessionárias aceitariam negociar por terem uma série de pendências, como trechos abandonados, subutilizados e necessidade de mais investimentos.Autor(es): Por Fábio Pupo e Ivo Ribeiro | De São PauloValor Econômico - 29/08/2012.
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