É inesgotável a capacidade de políticos usarem em proveito próprio, de forma aética,mecanismos idealizados para reforçar a representatividade legislativa - quando não os manipulam como gazua para arrombar cofres públicos.
As emendas parlamentares poderiam ser um mecanismo eficaz para financiar projetos necessários de impacto local, quase nunca identificados pelo administrador federal trancado em gabinetes brasilienses. O político ajudaria comunidades em troca de dividendos eleitorais. Se não invadir o espaço do clientelismo, a emenda, do ponto de vista formal, pode ser uma ferramenta de pulverização de investimentos públicos, para atender populações marginalizadas no jogo político.
Mas não é assim na vida prática. Casos de desvio de dinheiro do contribuinte por meio de emendas parlamentares já foram identificados, por exemplo, nos ministérios do Esporte e do Turismo, em que esquemas do PCdoB e do PMDB nortista usaram o sistema a fim de "privatizar" dinheiro do contribuinte - para aplicar um verbo mais elegante do que "roubar".
No domingo, O GLOBO trouxe reportagem sobre mais uma demonstração de criatividade no ofício de ordenhar o Erário no Congresso. Trata-se de um guichê de comercialização de emendas aberto pelo deputado João Carlos Bacelar (PR-BA) na Câmara, para atender, de um lado, parlamentares sem caixa suficiente para a campanha de reeleição, e, de outro, interesses políticos - e empresariais - do próprio Bacelar, herdeiro de uma empreiteira.
Como não há, na prática, muita disciplina na apresentação, aprovação e liberação de emendas - a não ser, basicamente, o desejo do governo federal de usá-las como moeda de troca com parlamentares, em busca de apoio para seus projetos noCongresso -, deputados acertam com Bacelar emendas para municípios de interesse eleitoral dele. O pagamento recebido do deputado-empreiteiro vai
irrigar campanhas com problemas de financiamento. No rol de clientes de Bacelar, já foram identificados
os deputados da Bahia Geraldo Simões (PT), Marcos Medrado (PDT) e o ex-deputado Fernando de Fabinho (DEM).
É um claro uso espúrio da emenda parlamentar, cujos detalhes só foram descobertos graças a desavenças familiares. Em litígio com Bacelar em torno da divisão do espólio do pai, Lílian, irmã do deputado, gravou conversa com a ex-cunhada Isabela Suarez, em que esta fala das falcatruas do deputado, a serem examinadas pelo Conselho de Ética da Câmara. Fica mais uma vez provado que corruptos precisam tomar cuidado com secretárias, motoristas, empregados em geral, e evitar conflitos de família.
O comércio de emendas - um fio de meada que precisa ser puxado - faz lembrar os "anões do Orçamento", um grupo de deputados (de baixa estatura) que manipulavam emendas, dentro da Comissão de Orçamento, com a finalidade de canalizar dinheiro público para os próprios bolsos. Em 1994, a CPI instalada para investigar o escândalo levou a cassações e a renúncias de conveniência.
Passaram-se 18 anos e o balcão de negociatas de João Carlos Bacelar confirma que pouco ou nada se moralizou no toma lá dá cá das emendas parlamentares.
O GLOBO
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