Alessandra Nascimento REPÓRTER
Um verdadeiro imbróglio de difícil solução. Assim pode ser definida a polêmica suspensão da Lei de Ordenamento e Uso e Ocupação do Solo (Louos), pelo Tribunal de Justiça, com base na ação do Ministério Público da Bahia (MP).
A situação é um exemplo da falta de diálogo entre sociedade civil e entidades públicas na capital baiana, segundo análise do advogado especializado em direito administrativo, Bruno Ferreira. Ele avaliou a questão e ressaltou os impactos sob o viés jurídico.
“Trata-se de um ambiente de incerteza e insegurança. É preciso entender que uma lei que trate da organização e ordenamento do solo de Salvador necessita passar por um diálogo envolvendo todos os setores e isso não aconteceu. A impressão que fica é uma queda de braço. O Ministério Público diz uma coisa, os vereadores e a Prefeitura outra, mas e a sociedade civil?”, questiona.
O advogado ressalta que o projeto foi construído sem a realização de audiências públicas, ponto esse questionado pelo MP. “Infelizmente projetos de lei não podem ser alvo no Brasil de ação direta de inconstitucionalidade. Durante todo o processo o MP apontou os problemas, mas os vereadores não acolheram a orientação até porque não são obrigados. Assim que foi sancionado o MP entrou com a ação. Ele cumpriu seu papel de fiscalizar.
O que se espera de uma lei é promover segurança e estabilidade nas relações, não após uns meses ela ser suspensa ou invalidada. A sociedade civil é que deve decidir sobre o planejamento da cidade. Uma gestão deve ser participativa. Faltaram no decorrer do processo de elaboração da lei as Audiências Públicas para discussão de temas polêmicos e com isso houve agora a suspensão de diversos artigos, muitos envolvendo o PDDU. Esses são alguns dos pontos, alvos da ação”, cita.
Outra questão abordada pelo advogado diz respeito a aplicação do termo latino “ex tunc”, na sentença do TJ. “Esse termo obriga a suspensão das licenças desde a criação da lei, em janeiro deste ano. Se o termo fosse “ex nunc”, a sentença seria aplicada para licenças daqui para a frente.
Também há um problema maior, pois a lei 8167/2012, no artigo 165, suspende a lei 3377/84, ou seja, não se pode recorrer a lei anterior e com isso estamos sem uma lei para ordenar o uso do solo de Salvador. É uma situação complicada e muito danosa no sentido de que essa insegurança jurídica afasta investidores da capital”, pontua.
Bruno Ferreira menciona que órgãos da sociedade civil foram chamados para debater o assunto no Tribunal. “A Ordem dos Advogados da Bahia, a Ademi, o Instituto dos Arquitetos, dentre outras entidades foram chamadas para contribuir dialogando com o Ministério Público para auxiliar na decisão judicial da Justiça”, informa.
Ferreira lembra que a ação direta de inconstitucionalidade foi feita alegando suspensão da eficácia com base em artigos que, dentre outros pontos, se chocavam com a Constituição Brasileira. “Essa lei está suspensa até que ocorra uma decisão final. A decisão não foi definitiva”, explica.
Questionado se o correto, nesse caso, seria a Prefeitura apresentar uma nova lei à Câmara de Vereadores, Bruno Ferreira disse que a solução para o problema se mostra difícil, uma vez que desde o começo das discussões a cerca da nova lei o Ministério Público se manifestou à Prefeitura sobre erros na condução do caso.
“Uma administração pública deve ser pautada no diálogo. A Câmara pode aprovar outra lei, mas tudo precisa passar pelo diálogo. A sociedade civil precisa ser ouvida antes de se sancionar leis que vão mexer por completo com a vida das pessoas”, diz.
Judicialização dos problemas
Procurado pela reportagem da Tribuna, o vereador Téo Senna, se mostrou bastante irritado com a situação. “Na realidade vejo uma judicialização em todos os problemas da cidade. Foi assim no Hotel Hilton, no Aeroclube, nas barracas de Praia. A aprovação da nova Louos recebeu votos favoráveis de 31 vereadores. Os demais não obstruíram, mas legitimaram a votação com sua presença. Os vereadores ouviram o parecer do Procurador da Câmara. A lei foi sancionada pelo Prefeito com respaldo pelo Procurador do Município”, explica.
Senna lembrou o caso recente envolvendo a Linha Verde. “Na época os movimentos sociais se manifestaram contrários, foi feito uma espécie de terror. Hoje a Linha Verde é um importante vetor do crescimento da cidade”, reconhece. Senna disse que o outro viés a ser tomado pela Câmara por conta da decisão do TJ envolve uma manifestação jurídica.
“Cabe à Câmara de Vereadores de Salvador e a Prefeitura entrarem com uma ação contra essa situação. Se a coisa continuar nesse ritmo, não será preciso haver mais Prefeito, nem vereadores em Salvador. Basta ter apenas o Ministério Público. A cidade é a que mais sai prejudicada. Essa situação só acontece no município de Salvador. Em outros municípios baianos essa interferência não ocorre. O Ministério Público não tem essa atuação”, reclama. Ele ainda menciona intervenções políticas. “Há grupos que perderam, não estão no poder e acabam provocando o Ministério Público e assim quem perde é a cidade e o povo”, desabafa.
Classes empresariais estão preocupadas
O presidente do Fórum Empresarial da Bahia, Victor Ventim, ressaltou que a insegurança jurídica gerada com a decisão do Tribunal de Justiça se mostra extremamente danosa para Salvador, no tocante à atração de novos empreendimentos e a manutenção dos mesmos que se encontram em curso.
“As classes empresariais estão preocupadas. É difícil para os empresários saberem se as 13 mil licenças canceladas estão dentro dos artigos outrora suspensos. Na liberação delas não aparece os artigos. As suspensões deveriam ser restritas somente aqueles projetos que de fato se enquadram nos artigos questionados na Justiça”, declara.
O diretor da Associação Comercial da Bahia, o advogado especializado em direito empresarial, Aurélio Pires, aconselha os empresários que foram prejudicados a entrarem com ações na Justiça contra a Prefeitura de Salvador e o Ministério Público.
“A decisão paralisa as atividades geradoras de empregos e impostos. Trata-se de uma ofensa ao princípio da justiça social. A lei tem falhas pontuais, mas o remédio não deveria ser a suspensão dos alvarás já liberados. A medida judicial viola os direitos. Cada empresário prejudicado deve acionar a Justiça para obter liminar autorizando a continuidade dos projetos.
Sem TVL comerciantes temem fechar as portas
A decisão do Tribunal de Justiça da Bahia que determinou a suspensão dos efeitos da Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo do Município (Louos), obrigou a Sucom a suspender por tempo indeterminado os Termos de Viabilidade e Localização (TVL) de 12.738 empreendimentos da cidade. Os empresários, especialmente os pequenos, temem o fechamento de seus estabelecimentos.
É o caso de Jandiara Novaes, proprietária de um restaurante na Rua da Oração, no Pelourinho, que ficou assustada quando seu contador informou a impossibilidade da não renovação do TVL. “Tomei o maior susto quando ele me disse que não poderia renovar o termo, afinal sei que meu estabelecimento pode fechar sem a documentação regulamentada, e eu mantenho sempre tudo em dias”, declara.
Jandiara é estudante de Direito, tem uma filha de dois anos e o restaurante construído no térreo de sua residência é sua única fonte de renda. “De portas fechadas não sei como fazer para pagar minha faculdade e manter as despesas diárias, minhas e da minha filha”, ressalta, esperando a liberação do TVL do seu restaurante, onde emprega uma funcionária com carteira assinada.
Também na região Centro Histórico o pequeno empresário Adriano Mota tem a mesma preocupação de Jandiara. Adriano é proprietária de uma loja de confecções na Baixa dos Sapateiros, onde emprega oito funcionários. “Oito chefes de famílias. Sem a renovação não vou poder atuar, terei que fechar as portas e demitir todo mundo”, comenta.
Adriano apostou no Comércio de produtos populares também como uma forma de revitalização da área. “Além da questão econômica, sei que minha loja também colabora para a revitalização daqui da Baixa dos Sapateiros, que sempre foi um local de comércio popular”, completa.
A suspensão dos TVLs atinge do pequeno ao grande empreendedor. Segundo o superintendente da Sucom, Cláudio Silva, a decisão judicial suspendeu a eficácia de diversos artigos da Lei Municipal n. 8.167/2012, que é usada como base para todo tipo de autorização para localização e funcionamento de empreendimentos, dos mais variados portes.
Como eu fico? - Maurício Moura Cabral, comerciante no Alto das Pombas, pergunta a si mesmo: “E agora eu não posso fazer nada? Como eu fico nisso?”. Ele comprou um terreno de 100 metros quadrados, por cerca de R$ 100 mil no bairro, onde pretendia construir um estabelecimento comercial no térreo e casas para alugar no andar superior. Fez as estruturas enquanto aguardava a liberação do TVL. Na obra estava empregando 12 operários. “Agora vou ter que dispensar todos eles”, lamentou.
Cabral tem uma família de 5 pessoas que depende integralmente do fruto do trabalho dele. “Tenho uma loja de material de construção onde emprego 20 pessoas. É muito triste tudo isso. A gente investe o que tem e depois fica numa situação dessas de dificuldade”.
O artigo 4ª, exemplifica Claudio Silva, é base para todas as autorizações da Sucom. Ele afirma que a interpretação da Sucom foi baseada na decisão da justiça, que disse que todos os TVLs estão suspensos “enquanto se aguarda o julgamento final desta ação declaratória de inconstitucionalidade”.
A decisão frisa ainda que “como consequência lógica, restam sobrestados todos os atos praticados à luz dos dispositivos ora suspensos, inclusive eventuais concessões para construção já expedidas e pedidos de autorização em processamento, devendo o Município adotar as medidas necessárias ao efetivo cumprimento desta decisão". "A Sucom não teve outra alternativa senão cumprir o determinado”, disse.
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