quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Vírus da Imoralidade


Paulo Martins – Escritor – Publicação A Tarde de16/05/2015

O facilitário que tomou posse de mentes descomprometidas com qualquer profundidade em relação á corrupção a reduziu a um simplismo: “corrupção é o PT; é só tirá-lo do governo que ela acaba”.

Claro que não será assim. A corrupção está encastelada em todo o estado brasileiro há décadas. Na maioria das prefeituras, dirigidas por políticos de todos os partidos, tornou-se endêmica.

No que tange ao desvio de dinheiro público nos altos escalões do governo e empresas estatais, não há como não enxergar os êxitos que estamos obtendo no seu combate. Que o diga a Operação Lava Jato, que apura os desvios da Petrobrás.

Mas existe um outro tipo de corrupção, mais disseminado ainda na sociedade, que não tem merecido nenhuma atenção por parte de quem deveria combate-lo, nem dos cidadãos de um modo geral.

O aspecto mais curioso dessa variedade de corrupção a que me refiro é sua base cultural. O saudoso João Ubaldo Ribeiro, em um dos seus artigos, “Nós, os desordeiros”, dá uma extraordinária lição sobre o tema. Retomou-o noutro artigo contundente, ”Precisa-se de matéria prima para construir um país”.

Ele demonstra como a corrupção tornou-se parte de nossa cultura de cima a baixo da sociedade. Quem não a pratica, seja civil ou militar, pobre ou rico é um bobo.

Está de tal forma arraigada no nosso comportamento cotidiano que nos condena coletivamente.

Todos somos mais ou menos corruptos. “Nesse instante – diz ele – centenas ou milhares de policiais pelo país afora, estão embolsando o agrado que lhes dão os motoristas, para evitar uma multa. Também todos os dias, centenas de milhares de pessoas, ou até milhões, pagam meia-entrada com carteiras de estudantes falsificadas.”

Enfim, vivemos imersos num mar de pequenas delinquências cotidianas que achamos “fazerem parte natural e inevitável da vida.”.

Dan Ariely, da Universidade de Duke, em artigo no Le Monde Diplomatique, criou a metáfora “vírus da imoralidade” para traduzir tais delinquências. Diz ele: “Muitas pessoas boas enganam só um pouquinho aqui e ali, aumentando para cima as horas faturáveis, declarando perdas superiores em suas reclamações ao seguro, recomendando tratamentos desnecessários”.

E enumera uma série de formas de enganar praticadas pelas empresas em geral, coisa corriqueira no Brasil.

Por exemplo: em alguns países da Europa a não emissão de nota fiscal na venda de qualquer produto é crime. No Brasil é apenas uma esperteza para diminuir o imposto incidente. Um assombro.

Está na hora de verificarmos se a desonestidade que se propaga de forma sistemática em nosso organismo social já nos provocou séria infecção; e de descobrimos se o contágio se dá por simples observação ou por contato direto. Do contrário, não criaremos condições para combatê-lo.

Meditemos sobre o assunto! Busquemos um pouco em nós mesmos a culpa pelo que se espalhou! Então tudo é eles, eles os políticos e os dirigentes, e não sobra nenhuma responsabilidade para nós?

Pelo amor de Deus, amigos, leiamos João Ubaldo Ribeiro.

Nenhum comentário: