sábado, 10 de maio de 2014

Não me venham com bananas e macacos!


Olivia Santana
Secretaria de Combate ao racismo do comitê central do PC do Brasil
Publicação do jornal ATARDE edição de 08.05.2014.

Reconheço a intenção antirracista da campanha “Somos todos macacos”, deflagrada apos Daniel Alves ter comido a banana que um torcedor xenófobo lhe atirou em campo, no último jogo do Barcelona contra o Villareal. Contudo, tem ela uma limitação intrínseca. Procura responder ao ultraje, incorporando-o.
É contra negros que se lança o epíteto de “macacos” e o refrão – “somos todos macacos” -, independentemente das boas intenções, não pode ser assumido pelos negros. porque se assim o fizéssemos, estaríamos aceitando o velho preconceito de nos associar ao ser humano incompleto, o primitivo, o que está mais próximo dos símios na cadeia evolutiva.
É crescente a onda de racismo no futebol. Há um recrudescimento desse sentimento retrógado, que se dá em meio à crise econômica que assola o sistema capitalista do mundo, sobretudo nos países europeus, vergastados pelo desemprego inclemente. Nesta hora, impotentes ante o descalabro da crise, os setores mais reacionários soltam seus demônios fascistas e racistas sobre seus d o que imaginam ser a causa de seus infortúnios, os imigrantes em geral, os africanos e latinos em especial.
Incapacitados de identificar a natureza econômica e politica de seus problemas voltam-se contra bodes expiatórios e vão buscar em teorias e práticas sepultadas pela história, mas não mortas os motes racistas da agressão atual.
Os fatos lamentáveis, que se multiplicam este ano no Brasil, no Peru e na Espanha, sacodem os que ingenuamente pensam que a ascensão econômica por sí só torna iguais negros e brancos.
Os milhões de Neymar e de Daniel Alves catapultaram-nos para o mundo glamoroso dos muitos ricos, quase todos brancos, mas não os blindaram da humilhação racista. À espreita, e dependendo do momento alguém sempre estará a dizer: você não é um dos nossos.
Na história do futebol, como de resto na história humana em geral, “o inesperado faz suas surpresas”, De origem aristocrática, o futebol teve que aceitar o negro, na verdade teve que se curvar a ele. O jeito próprio, a graça, a criatividade, a “catimba” fizeram do negro um artífice da arte de marcar gols.
Foi assim que surgiu a maestria do drible do “Anjo das pernas tortas”, do menino pobre que se fez gigante, ganhando duas copas do mundo (1958 e 1962), o imortal Garrincha, um dos maiores jogadores do século XX. E Thierry Daniel Henry, jogador negro a quem o Arsenal inglês deve a conquista da Premier  League, de forma invicta e apoteótica na temporada 2003/2004.
A coroa de rei do futebol não adorna a cabeça de nenhum inglês, espanhol, francês ou alemão, mas, sim a de um negro brasileiro, nascido em berço pobre, no município de Três Corações, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Expressão elevada da vitória do negro no futebol, Pelé é isto, independentemente do que ele ache a respeito e da sua postura tíbia ante as agruras da sua raça. Instigado a se posicionar sobre os gritantes casos de racismo, declarou não saber de todos os casos, mas, sobre o de Daniel Alves, considerou ser algo banal, sem importância. Aff... sabe de nada, inocente! Como disse Romário “calado é um poeta”.
Ganhar e perder faz parte de qualquer jogo. O problema é que, quando é nos pés do negro que a promessa de vitória não se realiza, muitas vezes a indignação do torcedor vira ira racista, posto que ele a tem latente, como subproduto do lixo que ficou da herança colonialista, escravista e, ainda por cima, da cultura de inferiorização que se sedimentou sobre os povos não brancos.
A situação exige mais que campanhas pontuais de enfrentamento ao racismo. Nenhuma instituição de futebol deve tolerar o racismo. A FIFA deve estabelecer regras objetivas e mecanismos de punição imediata que obriguem os clubes a combater atos racistas por parte de torcedores, comentaristas ou quem quer que seja,
É preciso agir contra o racismo em nome de novos princípios civilizatórios.
O que nos movimenta é o Abaixo o racismo. O que nos une é que somos todos humanos.



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