sexta-feira, 30 de março de 2012

OEA abre investigação sobre caso Herzog

O PASSADO BATE À PORTA


Órgão internacional quer saber se Brasil foi omisso na apuração do assassinato do jornalista, pelo qual ninguém foi punido

Flávia Barbosa* - MD- O Globo

WASHINGTON E SÃO PAULO. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) abriu investigação para apurar se houve omissão do Brasil ao não punir os responsáveis pela tortura e pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em 1975,durante o regime militar.

Dando prosseguimento à denúncia protocolada em junho de 2009 por entidades de direitos humanos, os integrantes da comissão notificaram o governo brasileiro na última terça-feira e deram dois meses para que o Brasil responda a acusação. As organizações acreditam que a comissão concordará com a tese de omissão e decidirá enviar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA

Na denúncia, as entidades afirmam que, apesar de todas as evidências confirmarem que Herzog foi executado por agentes do DOI-Codi de São Paulo em 1975, após ser torturado, "o Estado não cumpriu com seu dever de investigar, processar e sancionar os responsáveis". A petição é assinada pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), a Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos
Humanos (FIDDH), o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo.

"Este caso é mais um exemplo da omissão do Estado brasileiro na realização de justiça dos crimes da ditadura militar cometidos por agentes públicos e privados", diz nota conjunta divulgada ontem pelas entidades.

- Esperamos que o Estado realize agora uma investigação penal, de boa fé, considerando o entendimento da OEA e responsabilizando os envolvidos na morte de Herzog. O Brasil pode e deve fazer isso. Se não o fizer, o caso poderá chegar à Corte Interamericana, como ocorreu no caso Araguaia - explica a advogada Natália Frickmann, do Cejil.

Em dezembro de 2010, a Corte da OEA condenou o Brasil pelo desaparecimento de 62 militantes de esquerda na Guerrilha do Araguaia, entre 1972 e 1974, e determinou que os abusos cometidos nessa época fossem julgados pela Justiça Brasileira, o que ainda não ocorreu.

- A abertura do caso na OEA é mais um passo importante na elucidação do que ocorreu. Aqui esgotaram-se as possibilidades de recurso - diz Rose Nogueira, ex-colega de Herzog na TV Cultura e atual coordenadora do Tortura Nunca Mais em São Paulo.

Nos bastidores da diplomacia brasileira, considera-se que a abertura do processo é incômoda para o Brasil, devido à repercussão do assassinato de Herzog e às limitações que a Lei da Anistia, de 1979, impõem à averiguação dos crimes da ditadura.

O assassinato de Herzog é um dos mais emblemáticos casos de violação de direitos humanos na ditadura. Em outubro de 1975, o então editor da TV Cultura de São Paulo foi detido para depor sobre suas ligações com os movimentos de resistência à ditadura e apareceu morto no dia seguinte, no quartel-general da polícia política. Militares apresentaram sua morte como suicídio, forjando uma foto na
qual Herzog aparece enforcado. Mas depoimentos de outros presos e as evidências fornecidas pela própria foto apontam que ele foi espancado, torturado e morto pelos agentes de repressão.

O inquérito militar que apurou o episódio endossou a tese de suicídio. Várias tentativas foram feitas pela família de Herzog e pelo Ministério Público para levar a julgamento os culpados. Mas as iniciativas esbarraram na avaliação do Judiciário de que a Lei da Anistia impede a apuração ou de que o crime prescreveu.

Pelos procedimentos da OEA, após o Brasil dar esclarecimentos (se assim decidir fazê-lo), será avaliado pelo órgão se há ou não um caso fundamentado para apuração. Se concluir que há indícios de omissão, a Comissão fará uma avaliação do mérito e, caso considere que o Brasil falhou, fará um relatório com recomendações para uma solução entre as partes (por exemplo, o pagamento de indenizações). Sem acordo, a Comissão vai enviar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

* Correspondente

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