Resenha Diária produzida pela ASCOM/MD
Valor Econômico
O ex-ministro da Defesa Nelson Jobim caiu na quinta-feira, mas sua sorte estava anunciada desde que Dilma Rousseff foi eleita presidente. A mineira Dilma não tinha o gaúcho Jobim na mesma conta em que o tinha o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma, por exemplo, não convidou Jobim para o novo governo; perguntou se ele gostaria de ficar e aparentemente se irritou com a resposta do gaúcho, de que cargo de ministro era escolha do presidente e não cabia a ele querer ou não ficar.
Começou assim, mal, uma relação de trabalho presidente-ministro que nos seis meses seguintes se revelaria mais eficiente. Dilma resolveu manter Jobim por motivos bem pragmáticos: desde a criação do Ministério da Defesa, em 1999, Jobim fora o único de meia dúzia de ministros civis que por lá passaram a conseguir dar funcionalidade à nova pasta.
Isso só ocorreu porque Jobim decidiu levar adiante o objetivo institucional do Ministério de subordinar o poder militar ao poder civil, algo inédito na história da República, que, como se sabe, já nasceu sob o signo das baionetas. Jurista - foi presidente do Supremo Tribunal Federal -, ensinou aos militares a ganhar sabendo usar mais os atalhos da Justiça do que a força; político, sabia que só comandaria se tivesse controle sobre o Orçamento das Forças Armadas, sobre o qual, antes, cada uma delas - Exército, Marinha e Aeronáutica - tinha autonomia.
Quando o ex-vice-presidente José Alencar era ministro da Defesa, Lula não tinha problema com os militares porque cada Força cuidava de seus assuntos e não era necessário perturbar o presidente. Com Jobim, o presidente também não se incomodava porque os militares, enfim, tinham um comandante civil que respeitavam, que cobrava da esquerda tanto quanto da ala radical do Exército. Foi elaborada uma Estratégia Nacional de Defesa - aprovada no Congresso e tornada pública, exemplo raro de transparência.
Evidentemente que Jobim foi ajudado pelo período de bonança econômica do governo Lula e pode negociar melhores salários para os militares, motivo e pretexto histórico de inquietação na caserna. Isso sem falar num bilionário plano de modernização bélica, que bem ou mal anda no Exército e na Marinha e está travado na FAB (a compra dos novos caças, agora prevista para 2012). O desafio do novo ministro é o de consolidar esse legado.
Trata-se de um desafio difícil, mesmo sendo reconhecida a capacidade de negociação de Celso Amorim, ex-chanceler de Lula e agora o homem da Defesa de Dilma. Difícil porque Jobim sai num momento particularmente complexo no que se refere à lógica institucional de submeter o poder militar ao poder civil. O nó da discórdia é a instalação da Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar os crimes contra os direitos humanos praticados no regime militar.
É uma questão sensível. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a anistia é recíproca. Portanto, autores de eventuais crimes confessados no âmbito da comissão não poderão ser responsabilizados por eles judicialmente. O militar que matou um guerrilheiro no Araguaia, por exemplo. Nesses termos é que Jobim negociou a instalação da comissão com os militares, enquanto o ex-deputado José Genoíno, ele mesmo um sobrevivente do Araguaia, costurava o acordo com o "outro lado".
Com os partidos de oposição já havia uma espécie de acordo "implícito", paralisado com a demissão de Jobim. A extrema direita militar jamais quis a comissão, mas está sem fazer barulho. E parte da esquerda voltou a exigir a punição dos autores de crimes praticados contra os direitos humanos, o que pode levar a discussão novamente a um impasse. O Plano Nacional de Direitos Humanos custou a cabeça de um general e o acordo de que a comissão se limitaria à recuperação da memória e à reparação das famílias atingidas.
O Brasil não julgou seus generais golpistas, como fizeram nossos vizinhos. A informação sobre o destino dos desaparecidos é o mínimo que o Estado deve a suas famílias. Se o ministro levar a negociação a bom termo, terá prestado melhores serviços do que ao ajudar a costurar o inútil e midiático acordo com os aiatolás de Teerã. Para mediar assuntos tão sensíveis e que dividem o próprio governo, ele terá, também, que dispensar ferramentas ideológicas que alavancaram a política externa no governo Lula, executada com o apoio do presidente, mas certamente sob a inspiração, formulação e integral responsabilidade do ministro.
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